“Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou, e lhe sacrificou, e diz: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito. Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto este povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma grande nação” (Êx 32.7-10).
O texto acima é um dos mais utilizados pelos apologetas evangélicos contra a prática da idolatria. Este, entre tantos, é, na maioria das vezes, utilizado para atacar a prática da igreja católica romana em venerar imagens. Fazendo isto estamos sujeitos a não considerar com justiça o que vem a ser a idolatria de fato, pois, uma coisa é como entendemos tal prática hoje e outra coisa como ela era compreendida no passado, como quer demonstrar o texto mosaico. Hoje, basicamente, o ídolo é uma imagem que representa uma divindade e que se adora como se fosse a própria divindade. Mas, no passado na tradição judaico-cristã, o ídolo era um indíviduo real, ou uma imagem representativa de uma entidade fantástica, ou a própria entidade, considerados, de maneira equivocada e herética, portadores de atributos divinos. Ou seja, não havia a necessidade de um ícone, de uma representação gráfica, concreta do ídolo, pois, este existia e consistia de sua essência como entidade.
Sem maiores aprofundamentos, seria interessante considerar que o problema da idolatria não está na imagem em si, mas, em tudo o que ela passa a representar. O ícone, o objeto concreto não é nada; o problema está em sua capacidade de transportar ideologias, culturas, etc, (economia, política, religião, etc) que podem ser danosas à vida humana e ao meio-ambiente.
“Se algum dentre os incrédulos vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência. Porém, se alguém vos disser: Isto é coisa sacrificada a ídolo, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro” (I Co 10.27-29a).
As palavras de Paulo corroboram, portanto, para que se compreenda que o ídolo em si não é nada, contudo, o que lhe é intrínseco pode ser perigoso. O bezerro de ouro do texto de Êx 32.7-10 é uma clara demonstração disto. O bezerro em si não era nada, mas representava a ingratidão e a arrogância de Israel diante de Deus.
Até antes da construção do bezerro de ouro Deus havia libertado seu povo, conduzindo-o pelo deserto sem deixar-lhe faltar o alimento e nem vestimentas. Da parte de Israel o que se ouviu foi incredulidade, pois achavam que os egípcios os matariam ante o Mar Vermelho, murmurações a respeito da falta d’água (que lhes foi providenciada), do maná (“todo dia a mesma coisa!”), da falta de carne, da saudade dos pepinos do Egito, da liderança de Moisés, etc. Além disso, aquele povo seria submetido a uma lei duríssima a qual deviam obediência para sua salvação e glorificação do nome de Deus.
O que representava o bezerro de ouro? Representava a preferência de Israel em manter-se escravo de suas conveniências, em vez de estar livre, como povo autônomo, mas, com o compromisso de servirem a Deus, a seus semelhantes e à terra. Adorarem ao bezerro de ouro era uma limitação da real divindade de Deus, de sua soberania, de sua onipotência, onipresença e onisciência, relegando-o a um simples objeto que não poderia exercer nenhuma autoridade sobre seus seguidores. Faz-se isso nas igrejas de hoje quando são enfatizados pontos que possam parecer mais interessantes ao público: prosperidade, felicidade agora, saúde inabalável, poder e prestígio. O homem transfere seu amor, seu respeito, sua atenção e todos os seus esforços de Deus para suas conveniências pessoais. Deus passa a existir e ser poderoso somente para fazer o que seus fiéis lhe pedirem (ou mandarem).
O que seria o consumismo senão um culto velado ao mercado? Um deus não representado por nenhum ícone, ou desenho, mas, que está vivo e atuante na vida de todos nós, religiosos ou não. “O consumismo é uma compulsão caracterizada pela busca incessante de objetos novos sem que haja necessidade dos mesmos. Após a industrialização, criou-se uma mentalidade de que quanto mais se consome mais se tem garantias de bem-estar, de prestígio e de valorização, já que na atualidade as pessoas são avaliadas pelo que possuem e não pelo que são” (Blog Consumismo, a modinha da vez).
O consumismo é uma forma de “testemunho” de prosperidade, poder e prestígio, alcançados por aqueles que seguem religiosamente os mandamentos do mercado, onde ter é mais importante que ser (e que o ser). Onde as coisas passam a ser mais importantes que as pessoas e a projeção individual o clímax paradisíaco do fiel. Tal testemunho nem sempre é fruto de sucesso, uma vez que muitas pessoas, no afã de se sentirem tão abençoados como os demais, compram compulsivamente e se endividam para obterem reconhecimento de seus “irmãos”.
O consumista torna-se escravo de seu deus, lutando contra tudo e contra todos para alcançar cada dia mais robustez financeira, legalmente ou nem tanto. Mesmo que isso lhe custe a saúde, a própria vida, ou a família, porque, para ser bem-sucedido nesse mundo, não se pode perder tempo com o outro. Aliás, é sempre dos outros que os sacerdotes tiram para colocar na mão de pouquíssimos merecedores. Nesta igreja, tal doutrina é conhecida como “máxima concentração de renda”. Aleluia?!
A Igreja de Cristo não pode seguir este caminho, não pode se deixar levar pela toada do capitalismo. Ao contrário, com um paradigma profético de valoração do oprimido, a Igreja (como Deus) deve preocupar-se em anunciar e fomentar a vida; suprindo-lhe de bens materiais, mas, principalmente, a dignidade do ser. O que o mundo precisa hoje é conscientizar-se da necessidade de se construir uma sociedade mais fraterna, justa e humana. A Igreja deve estar pronta para dar-lhe tal direcionamento.
Por Luciano Costa
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