domingo, 26 de setembro de 2010

Amar a Deus com liberdade


O livro de Jó parece se concentrar na questão do sofrimento. No fundo, um problema diferente está em jogo: a doutrina da liberdade humana. Jó teve de suportar um sofrimento imerecido a fim de demonstrar que o Senhor está, na verdade, interessado no amor demonstrado em liberdade.
A disputa travada entre Deus e Satanás não foi um exercício trivial. A acusação feita por satanás de que Jó só amava o Senhor por que “puseste uma cerca em volta dele” é um ataque ao caráter divino. Implica que Deus não é digno de amor por si mesmo; as pessoas fiéis só o seguiriam mediante “suborno”. A reação de Jó depois que todos os sustentáculos da fé fossem removidos comprovaria ou descartaria o desafio de Satanás.

Para entender essa questão da liberdade humana, talvez o melhor seja imaginar um mundo em que todos obtêm aquilo que merecem. Esse mundo imaginário tem uma certa atração. Seria justo e consistente e todos saberiam com clareza o que Deus esperava. A justiça reinaria. Há, no entanto, um enorme problema com um mundo assim tão organizado: ele não tem nada a ver com o Deus pretende realizar na terra. Ele quer de nós o amor, amor ofertado em liberdade. E não ousemos subestimar a recompensa que Deus associa a esse amor. O Senhor lhe atribui tamanha importância que permite ao nosso planeta ser um câncer de maldade no seu universo – por algum tempo.

Se o mundo funcionasse de acordo com regras fixas, justas e perfeitas, não haveria liberdade real. Agiríamos certo por causa do nosso ganho imediato e motivações egoístas infestariam cada gesto de bondade. As virtudes cristãs descritas na Bíblia, pelo contrário, se desenvolvem quando escolhemos Deus e seu caminho apesar da tentação ou dos impulsos para fazer o contrário.

Na Bíblia inteira, uma analogia que ilustra o relacionamento entre o Senhor e seu povo salta aos olhos o tempo todo. Deus, o marido, é retratado tentando atrair a noiva para si mesmo. Ele quer seu amor. Se o mundo fosse construído de forma que cada pecado recebesse um castigo e cada boa ação, um prêmio, o paralelo não resistiria. A analogia mais próxima a esse relacionamento seria uma mulher mantida em cativeiro, mimada, subordinada e trancafiada em um quarto de forma que o amante pudesse estar seguro de sua fidelidade. Deus não “prende” seu povo. Ele nos ama, oferece-se para nós e espera ansioso por nossa livre reação.

O Senhor quer que optemos por amá-lo de livre e espontânea vontade, mesmo que essa opção envolva dor, por estarmos comprometidos com Ele, não com sensações e recompensas que nos façam sentir bem. Ele quer que permaneçamos fiéis a Ele, como fez Jó, inclusive quando tivermos todos os motivos do mundo para negá-lo com veemência. Jó se apegou à justiça de Deus no momento em que se tornou o melhor exemplo da história da aparente injustiça divina. Não procurou o Presenteador por causa do presente; pois quando todos os presentes foram removidos, ele ainda O buscava.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Odeio política!

Todo mundo tem uma posição radical sobre alguma coisa. A minha é essa: eu odeio política! Sempre que penso sobre esse "mal (des)necessário", uma questão me inquieta: eu comeria uma maçã - ainda que limpa - se ela estivesse em um cesto de lixo? Não. É assim que vejo os cristãos na política. Ameaçados por ambientes de sujeira.

A grande desculpa teológica dos que se envolvem nas tramas da política é: "Daniel era político". Contudo, esquecem que Daniel NÃO se candidatou a nenhum cargo, era escravo, condição que o impedia de negar sua indicação a qualquer posto político. Daniel tinha um caráter acima de qualquer suspeita, já os políticos de hoje...

Odeio política. Meu ódio é uma mistura de raiva e frustração. Fúria e angústia. Vejo nas arenas políticas muito mais destruição do que construção. Muito mais medo do que virtude. Muito mais máfia do que unidade para algum fim.

Odeio política porque liberta o pior que habita o homem: ambições desmedidas. Em nome dessas ambições atropela-se toda a agenda da esperança. O que os políticos querem não é o bem-estar do povo, mas salários estratosféricos, tráfico de influências, manipulação midiática, idolatria institucional, prostituição eleitoreira, todo tipo de engano. No jogo sujo da política quem perde é sempre o povo.

Eu sei que existem, eventualmente, alguns poucos políticos honestos, mas a proporção de malandros é tão avassaladoramente maior que chega a ser covardia.

Lênin dizia que "a democracia é o regime político no qual o povo escolhe aqueles que vão oprimi-lo nos próximos quatro anos". É muito raro o encontro de um discurso político e da Verdade num mesmo palanque. A mentira é o sobrenome da política. Ser político é vivenciar a arte de ludibriar mentes frágeis.

Odeio política porque ela inverte valores: recebe profanos nos púlpitos, e condena ao silêncio santo nos bancos. Veste mentiras com roupas da verdade. Em nome do dinheiro vende a alma para acobertar a clandestinidade dos caixas 2. Usa a fé sincera do povo para propagar esperanças irreais.

Odeio política! Essa é a minha radicalidade. Voto porque ainda sou cidadão, mas só Deus sabe o sacrifício que faço para votar. Vou para a urna com a sensação de quem está comendo a maçã estragada pelo ambiente da sujeira. Sinto no peito o impacto do que vaticinou Carlos Drummond de Andrade: "O voto, a arma do cidadão, dispara contra ele".
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Definitivamente, odeio política!!
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Por Alan Brizoti

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Minha fé não é aquilo em que acredito


A distinção mais útil que encontrei nesta caminhada foi a que estabeleceu Jacques Ellul entre fé e crença. Crença é aquilo que professamos acreditar; é o contéudo doutrinário peculiar à nossa facção religiosa, expresso com palavras muito bem escolhidas em nossas declarações de fé. Não há, por outro lado, conjunto de palavras suficiente para definir adequadamente a fé. Nossas crenças são passíveis de exposição, mas nossa fé é questão pessoal – seu conteúdo é o mistério tremendo, a tensão superficial entre eu e o universo, entre eu e o desconhecido, entre eu e o futuro, entre eu e a morte, entre eu e o outro, entre eu e Deus.

Os religiosos de todas as estirpes vivem em geral muito mais preocupados com as filigranas da crença do que com a vivência da fé – e posso dizê-lo por experiência própria. As divisões que fazemos questão de estabelecer entre a nossa e as demais facções da cristandade, e entre a cristandade e as outras heranças religiosas, estão fundamentados, naturalmente, em diferenças de crença. Às vezes dizemos que diante de Deus o desafio da fé é o mesmo para todos, mas agimos claramente como se nossa identidade de cristãos e de seres humanos fosse adequadamente definida pelo teor de nossas crenças. Sentimo-nos devidamente legitimados, devidamente representados, pela felicidade de pertencermos ao grupo ou denominação que professa (ao contrário, naturalmente, de todas os outros grupos ou denominações) a crença mais pura, destilada e correta. Fingimos que nos dobramos diante de Deus e de seu Cristo, mas nosso cristianismo é ortodoxolatria.

“A fé”, explica Ellul, “isola o indivíduo; a crença, (qualquer que seja, inclusive a cristã) ajunta pessoas. Na crença nos vemos unidos a outros na mesma corrente institucional, todos orientados em direção ao mesmo objeto de crença, compartilhando das mesmas idéias, seguindo os mesmos rituais, arrolados na mesma organização, falando o mesmo dialeto.”

Diante disso, sinto-me cada vez menos inclinado a responder aos que perguntam em que acredito, ou aos que levantam-se em indignação quando ouvem a temerária confissão de alguma crença minha (“O quê? O Brabo acredita na evolução?” “O quê? O Brabo não condena a fé dos católicos?” “O quê? O Brabo crê que igreja bem-sucedida é a que fecha as portas?” “O quê? O Brabo acredita em [inserir crença arbitrária aqui]“). Sinto-me cada vez menos motivado a responder aos que perguntam sobre minha tradição religiosa, a qual denominação pertenço, se faço parte de alguma igreja, se endosso determinado autor ou se fico devidamente escandalizado diante de determinada barbárie doutrinária.

Não devo iludir a mim mesmo ou a quem quer que seja dando a impressão de que resta algo de importância na vida espiritual (ou na vida) que não seja a fé, e – minha gente – minha fé não é aquilo em que acredito. Minha fé não está naquilo em que acredito, e nem poderia estar. Minha fé não é adequadamente expressa por aquilo em que acredito, e nem poderia ser.

Em primeiro lugar, porque minhas crenças mudam, mesclam-se e transformam-se constantemente. Minhas crenças nascem, reproduzem-se e morrem num plano totalmente independente do desafio que está na fé. Em segundo lugar porque, como lembra Ellul, “toda crença é um obstáculo à fé. As crenças atrapalham porque satisfazem a nossa necessidade de religião”. Quem pergunta aquilo em que acredito está tentando estabelecer comigo a mais rasteira das conexões; está querendo legitimar a sua crença a partir da minha, e isso não tem como ser saudável para ninguém.

Quem se abraça dessa forma à crença está buscando, evidentemente, o conforto do terreno conhecido e palmilhado. “A crença é confortadora”, observa Ellul. “A pessoa que vive no mundo da crença sente-se segura”. A fé, por outro lado, é coisa terrível, a que ninguém em são juízo deveria aspirar. A fé deixa-me sozinho com um Deus que pode não estar lá. A fé convida-me a um grau de liberdade que posso não ter o desejo de experimentar. A fé quer tirar-me da zona de conforto da crença e levar-me para regiões de mim mesmo e dos outros aonde não quero ir. A fé pressupõe a dúvida, a crença exclui a dúvida. A crença explica sensatamente aquilo em que acredito, a fé exige loucamente que eu prove.

Nossas crenças são âncoras de legitimação, que nos mantém seguros no lugar mas nos impedem de seguir adiante – o que, convenhamos, é muito conveniente. Quem iria em sã consciência escolher abandonar o abraço confirmatório da crença comum e dar um passo em direção à vertigem da fé, ao desafio de tornar-se um indivíduo separado, distinto e singular (numa palavra, santo) diante de Deus? Queremos voltar para o Egito, onde havia cebolas; não suportamos o desafio constante, sempre iminente, sempre exigente, do deserto.

Não tenho como recomendar a crença; sua única façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável do que a outra e chamando o seu próprio ambiente corporativo de espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida através de argumentos e explicações. Não devo buscar o conforto da crença; o Mestre tremeu de pavor e não tinha onde reclinar a cabeça. Não devo ouvir quem pede a tabulação da minha crença; minha fé não é aquilo em que acredito.

Nunca deixa de me surpreender que para o cristianismo Deus não enviou para nos salvar um apanhado de recomendações ou uma lista suficiente de crenças, mas uma pessoa. Minha espiritualidade não deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária. Não pergunte em que acredito. Mande um email, pegue uma condução, venha até minha casa, tome um café na minha mesa e aceite o meu abraço. Não devo esperar ato maior de fé, e não tenho fé maior para oferecer.
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Extraído da Bacia das Almas

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