terça-feira, 27 de setembro de 2016

Pentecostal reformado


Nos últimos tempos, nos deparamos com um fenômeno dentro de nossas igrejas. Alguns irmãos, membros de igrejas pentecostais (ou até mesmo neopentecostais), tem encontrado o caminho das “Doutrinas da Graça”, o que acaba por gerar uma “classe” que se intitula “Pentecostal Reformado”.
A pergunta é: como isso funciona?
Não cabe, neste texto, a discussão de mérito sobre se esta nomenclatura é correta ou não, mas sim “se um cristão reformado pode congregar em uma igreja pentecostal”. E, sobre isso, digo com conhecimento muito próximo de causa. 
Pois bem, vamos aos fatos.
O movimento pentecostal no Brasil é algo que deve ser analisado com muita cautela. Surgiu, principalmente, num ambiente cristão de pessoas pobres, com uma vida simples, que não tinham condições de buscar um estudo aprofundado, seja este sobre as matérias escolares diárias, ou sobre a doce teologia. Algumas destas pessoas, ao se converterem e seguirem a caminhada cristã acabaram por serem ordenadas ao pastorado – não por sua teologia rebuscada, mas sim, ao menos em tese, por seu caráter ilibado, e “demonstração de poder” no meio da congregação. Sendo esta prática constante, criou-se a ideia de que a evidência de um cristianismo autêntico seria o “poder”, a “unção”. Eis aí o primeiro problema que todo “novo reformado”, que congrega em uma igreja pentecostal, enfrentará: estar no meio de uma congregação que buscará em primeiro lugar os dons do Espírito, e não o Fruto. Independente da “linha” seguida, seja “cessacionismo” ou “continuísmo”, é certo que Paulo deixa bem claro que o amor (Fruto, 1 Co 13) é maior, “um caminho mais excelente”, que o dom (1 Co 12).
Em segundo lugar existe a problemática com a forma de governo da Igreja. É muito mais fácil você encontrar o típico jargão “não toqueis no ungido do Senhor” dentro de uma denominação Pentecostal/”neopentecostal”, que em uma igreja Reformada. Por terem uma forma de governo episcopal, ao menos no que deixam transparecer, as igrejas pentecostais têm a figura do “pastor presidente”, que normalmente detém um poder imenso sobre as congregações da região. Em contra partida, analisando a forma de governo de igrejas que caminham na tradição da Reforma, encontramos com mais frequência os modelos Congregacional e Presbiteriano, que trazem, em seu cerne, um modelo “democrático” de governo.
Digo que isto vem a ser um problema pelo fato de que é comum, dentro da cultura de igrejas pentecostais, existir a figura daquele pastor que manda e não aceita ser contrariado. Quando, então, um “recém-reformado” apresenta sua teologia ao “dirigente da congregação”, é corrente a retaliação vinda do púlpito.
Em terceiro lugar, vem a problemática da “ordem e decência” durante os cultos de algumas igrejas pentecostais/neopentecostais. Não são poucos os vídeos que encontramos na internet abordando este tema. Movimentos, cânticos e ações que contrariam expressamente as Sagradas Escrituras. Não fosse pouco, vemos que o louvor, a honra e a glória não são direcionados ao Senhor. “Hinos” antropocêntricos são cantados, “pregações” com um falso evangelho, adulterado, prometendo bênçãos e riquezas são o que dominam os púlpitos. Porém, graças ao bom Deus, vale lembrar que mesmo no meio Pentecostal é possível sim encontrar igrejas sérias, que buscam uma maior coerência com a Palavra de Deus.
Em quarto lugar, e creio que este vem a ser um dos problemas mais marcantes, existe a divergência doutrinária. Enquanto o movimento pentecostal segue, em teoria, por exemplo, o arminianismo, a doutrina reformada mantém seus pés firmados no calvinismo. Afirmamos, ainda, que a salvação é uma obra monergista, onde Deus – e apenas Ele – é responsável pela salvação e regeneração das almas. Todavia, o que é pregado nos púlpitos pentecostais é exatamente o oposto, que a salvação é uma obra sinergista – onde o homem tem também papel ativo.
E aí vem a dúvida, então, que motivou este artigo: “pode um cristão reformado congregar em uma igreja pentecostal?” Mesmo com pontos que elenquei, apenas exemplificativos e que citam casos extremos, já que nem todas as igrejas pentecostais discorrem em erros gritantes, creio que a resposta à pergunta acima é “sim, pode”.
Devemos ter em mente que não há igreja, no sentido de instituição, perfeita. Dentro de cada “instituição” temos vários pecadores, com misérias, falhas e problemas, assim como cada um de nós. Sempre haverá espaço para a fofoca, para intrigas e discussões inúteis, infelizmente.
Também, devemos lembrar que as igrejas pentecostais têm muitas qualidades e acertos. Seus membros são nossos irmãos, que oram, consagram suas vidas ao Senhor, respiram “missões”, e vivem de modo que visa glorificar ao Senhor. Temos divergências? Sim, mas nossa semelhança, a “adoção de filhos”, deve ser maior em nossos corações que cada ponto contrário.
Então, deixo-lhe algumas dicas do que pode ser feito:
Primeiro, não tente “calvinizar” os demais irmãos, ou “reformar” a igreja. Peço perdão pelas palavras, mas é uma luta perdida. Converse, sim, sobre os princípios básicos da fé cristã, sobre a salvação pela Graça, sobre os “Cinco Solas”, mas não tente “enfiar goela abaixo” os “cinco pontos do calvinismo”.
Segundo, mantenha sempre a humildade. É comum que todo “novo reformado” sofra do maldito orgulho. “Minha teologia é mais antiga”, dizem alguns. “O que prego é mais bíblico”, dizem outros. Demonstre, acima de tudo, esta tão maravilhosa doutrina através de sua vida. Prove, com uma mudança diária, que sua fé é acompanhada por obras, e que estas são boas e louvam ao Senhor.

Terceiro, viva em amor. Parece, bem sei, que estou colocando “panos quentes” na situação, mas minha intenção é exatamente oposta a isto. Temos, em Gl 5.22-23, uma lista do que vem a ser o “Fruto do Espírito”, e lá encontramos o amor. Amar é falar a verdade, mas sabendo como fazê-lo. O amor, vale lembrar, é acompanhado pela mansidão. Se algum irmão vier lhe perguntar sobre o Calvinismo, a Teologia Reformada, e após a resposta, agir de maneira ríspida e contrária às Escrituras, respire e mantenha a calma. Lembre-se do que disse Pedro:
“Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós, […]” (1 Pe 3:15)
Quarto lugar, ore. Viva uma vida de oração. Não afaste-se dos pés do Senhor. Faça o que nos foi ordenado por Paulo, “ore sem cessar” (1 Ts 5.17). Todas nossas decisões devem ser tomadas após oração constante a Deus. Se sua situação está piorando, se o que é pregado nos púlpitos de sua igreja está cada vez mais distante da Reta Justiça, ore ao Senhor. Não saia da congregação sem antes “escutar a voz de Deus” dizendo-lhe o que fazer.
Espero ter apresentado uma boa resposta à pergunta inicial, se “é possível que um cristão reformado congregue em uma igreja pentecostal”. Amado leitor, lhe suplico que, acima de tudo, leve em consideração este último conselho que lhe dei: Ore. Siga a direção apontada pelo Senhor, e não pelo seu coração.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O que significa língua dos anjos?


Muito se discute a respeito do dom de línguas na Bíblia, se ele ainda existe ainda hoje ou não. Um texto que me intriga muito é 1 Coríntios 13:1, onde Paulo fala a respeito das línguas dos anjos. Que línguas são essas? Seria esse falar em línguas que vemos muitas pessoas falando nas igrejas e que não entendemos muito bem?
Caro leitor, a questão do falar em línguas realmente é um tema muito polêmico, que por séculos tem provocado diversos debates. Porém, sobre esse texto que você citou de Paulo, creio não haver tanta polêmica, pois é um texto onde não temos tantas dificuldades na interpretação. Vejamos juntos o que significa línguas dos anjos ali:

(1) O texto que o leitor cita é este: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1Coríntios 13:1). A primeira coisa a se compreender sobre esse texto é que a Bíblia em nenhum momento menciona que existam línguas (idiomas) especiais que os anjos falam. Sempre que anjos são mencionados conversando com pessoas eles falam a língua da pessoa e não uma língua própria que poderia ser chamada de línguas dos anjos. Dessa forma, afirmar que anjos falam em línguas especiais baseados única e exclusivamente no texto de Paulo é algo muito equivocado como veremos a seguir.

(2) Isso nos leva a pensar: O que Paulo quis dizer com línguas dos anjos? Seria uma revelação feita apenas a ele de que os anjos falam em línguas especiais que os seres humanos não entendem? A resposta é não! Uma avaliação cuidadosa do texto e contexto (regra básica da interpretação correta) nos revela claramente o que Paulo quis comunicar ali. Paulo usou uma figura de linguagem chamada hipérbole. O dicionário Priberan Online define essa palavra como Figura de retórica que corresponde ao exagero com efeitos enfáticos no sentido das palavras ou das frases”. Isso significa que Paulo usou de vários “exageros” nesse texto para enfatizar seu ensino. Inclusive quando usou línguas dos anjos também usou de uma hipérbole.

(3) Mas como saber que Paulo usou de hipérbole nesse texto? Se você observar em todo o contexto, Paulo usa de diversas hipérboles para fortalecer seu ensino. Por exemplo, vejamos algumas: “Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência” (1Coríntios 13:2). Como alguém pode conhecer todos os mistérios e toda a ciência? Aqui temos um exagero proposital de Paulo para enfatizar o argumento de seu ensino. Ele continua: “ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei” (1 Coríntios 13:2). Você já viu alguma montanha mudar de lugar por causa de alguém que exerceu a fé? Óbvio que não! Temos aqui também mais uma hipérbole usada por Paulo. “E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1Coríntios 13:3). Aqui Paulo também trabalha a figura do exagero, já que é impossível que alguém entregue 100% de seus bens. Algo sempre a pessoa vai ter. Outra coisa, em sã consciência, quem irá entregar seu próprio corpo para ser queimado? Mais uma figura de linguagem hiperbólica de Paulo.

(4) Assim, fica evidente que nos versos de 1 a 3 de 1 Coríntios 13 Paulo usou diversas hipérboles, incluindo o termo “línguas dos anjos” como figuras de linguagem para promover o seu ensino sobre a importância do amor.

[Por André Sanches]

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A ilusão do Livre-Arbítrio


No estado de pecado, o homem não quer aquilo de que não dispõe em sua alma. Ou seja, não está no homem natural o querer agradar a Deus, mas apenas o detestá-lo porque a queda implantou um princípio de hostilidade na raça humana a ponto desta se tornar incapaz e indiferente a todo bem espiritual, sendo sempre inclinada a toda forma de mal (Jr 13. 23; Jo 6. 44, 65; Rm 9. 16). Ele perdeu a capacidade de viver em plena comunhão e obediência a Deus de maneira que sempre decide e se inclina ao pecado. Trata-se de uma incapacidade da liberdade que só pode ser revertida com a obra do Espírito. Por isso a Escritura descreve a natureza humana não regenerada como num estado de: cegueira e trevas, morte espiritual, serva do pecado, sujeita a Satanás, sendo que os homens; por isso, são filhos da desobediência e da ira, escravos do pecado, estando mortos em delitos e transgressões (Jo 8. 34; Rm 6. 16; 20; 2 Tm 2. 26; Mt 22. 33-36; Jo 8. 44; 1 Jo 3. 10; Cl 2. 13-15; Ef 2.1-2). Livre-arbítrio significa o poder de escolher ou rejeitar a oferta de salvação, mas qualquer ensino que coloca estas opções à escolha do homem, desconhece o estado de morte espiritual que o impede de enxergar o caminho da salvação. Freqüentemente se faz confusão entre livre-arbítrio e livre-agência.
No estado de santidade em que Adão e Eva foram criados, foi-lhes dado poder de escolha entre duas alternativas: Vida e Morte espirituais (segundo Agostinho, sem coação externa). A isto chamamos livre-arbítrio ou, (para usar uma expressão mais apropriada) vontade própria. Com a queda é o próprio Deus quem provê os meios para reconciliar seus eleitos com Ele mesmo, porque mesmo que o homem não tenha perdido a capacidade de fazer escolhas, a Bíblia informa que serão sempre escolhas erradas, ou seja, ele é sempre escravo de suas escolhas erradas (Is 59. 2; 2 Co 5. 18; Cl 1. 22). Seu Filho tomou forma humana para ser o sacrifício vivo pelo pecado trazendo purificação porque “sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9. 22). A este último ato chamamos pacto da graça. Se ainda estivéssemos sob a liberdade de escolher, então o mérito da escolha da salvação seria nosso e a morte de Cristo não teria qualquer eficácia e utilidade. E a pessoa que não escolhe a salvação é porque quer conscientemente ir para o inferno? Mas no pacto da graça, Cristo é o agente e o redentor de nossa salvação. O poder que o homem possui de gerar suas próprias ações responsáveis é chamado livre-agência. Significa que o homem é livre para querer o que deseja e deseja aquilo que quer. Esse poder não foi perdido com a queda, mas a verdadeira liberdade, sim. 
Eles decidem suas ações e se tornam responsáveis por elas, com base na consciência, inclinações naturais e pensamentos. No entanto, a ação nasce na vontade, e esta; por sua vez, está tão escravizada pelo pecado que o homem jamais se inclina para a salvação pelo uso de sua livre-agência pois ele “perdeu totalmente a capacidade da vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação”.

[Confissão de Fé de Westminster, (São Paulo-SP, Puritanos, 1999), p. 222.]

O que significa blasfêmia contra o Espírito Santo?


Não são poucas as pessoas que já se perguntaram – com medo – se não teriam blasfemado contra o Espírito Santo em algum momento. Recebo aqui no blog quase toda semana perguntas de pessoas desesperadas, achando que pecaram contra o Espírito e não serão perdoadas e salvas por Deus, tendo assim como destino final o inferno. Consigo entender seu desespero, pois a Bíblia diz que esse pecado é imperdoável. “Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada.” (Mateus 12.31).

Para compreender bem essa difícil passagem precisamos entender seu contexto. Tudo ocorreu quando Jesus fez a cura de um endemoninhado cego e mudo: “Então, lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo; e ele o curou, passando o mudo a falar e a ver.” (Mateus 12.22). Essa cura provocou admiração na multidão, que buscava encontrar respostas ao que presenciaram (Mt 12.23) e uma reação negativa por parte dos fariseus, que acusaram Jesus de estar a serviço do Diabo (Mt 12. 24). Jesus é duro com eles e, nesse contexto, declara que a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada nem nesse mundo nem no porvir (Mt 12.32).

Mas como entender o que é essa blasfêmia mencionada por Jesus? Tem-se entendido que essa expressão está ligada a um “pecado eterno” e não a um “juízo eterno”. Isso significa que a pessoa que blasfema contra o Espírito Santo não é aquela que de alguma forma fez algo contra Deus, mas tem seu coração arrependido, mas é aquela que, por causa de seu coração duro – à semelhança dos fariseus – não se arrepende de sua atitude contumaz contra o Espírito de Deus. Nesse sentido elas permanecem em um estado de incredulidade tal que não se arrependem e, por isso, não são perdoadas. Assim, não é um único pecado que traz a elas o juízo de condenação de Deus, mas o fato de manterem-se nesse estado de “pecado eterno” sem arrependimento.

Algumas pessoas têm dificuldades de entender isso na prática. Será que eu já blasfemei contra o Espírito Santo e não sou salvo? Será que estou debaixo desse pecado imperdoável por tudo que fiz no passado? Será que já cometi esse ato e não terei mais oportunidade de ser agradável aos olhos de Deus, de gozar a salvação e o céu?

De forma prática, muito mais fácil do que entender com exatidão o que Jesus quis dizer nessa passagem, é entender que se alguém tem sinais de arrependimento de seus pecados em seu coração, crê em Jesus Cristo como o Salvador, crê no poder de Deus, etc., essa pessoa não pode ter cometido o pecado imperdoável. Sinais de arrependimento, pra mim, são sinais claros de que a pessoa não cometeu esse pecado.

D. L. Moody diz que “A essência do “pecado eterno” é a atitude do coração que sustenta o ato.”. Isso quer dizer que o coração daquele que está embrenhado nesse pecado, sempre sustentará esse pecado com uma atitude de incredulidade para com Deus, sem nenhum arrependimento dele. Ou seja, quando alguém tem uma atitude de credulidade evidente, não pode estar debaixo desse pecado. Assim, não há motivo para desesperar-se achando que você pecou contra o Espírito Santo e não será mais perdoado. O próprio desespero em não ser perdoado é uma mostra do quão grande desejo se tem de ser perdoado por Deus e ter a paz do Espírito. Aquele que permanece no pecado imperdoável nunca sentirá isso em seu coração impenitente e duro, nunca se preocupará se cometeu ou não esse pecado.

[Por André Sanches]

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O que significa ser batizado com o Espírito Santo e com fogo?


Você Pergunta: O que é o batismo com fogo citado em Mateus 3:11? Alguns afirmam que seria o batismo com o Espírito Santo seguido do falar em línguas. Eu fico um pouco confuso com relação a isso, pois eu mesmo sou crente fiel a Deus, mas nunca falei em línguas. Será que existe algum problema comigo? Todo crente deverá ser batizado com fogo ou só alguns que serão? O que é ser batizado com o Espírito Santo e com fogo?

Caro leitor, vamos fazer uma análise correta do texto citado por você, bem como de todo o contexto. Dessa forma conseguiremos esclarecer facilmente o significado dessa expressão usada por João Batista. O texto que você citou é este: “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mateus 3:11). Vamos começar a nossa análise:

(1) A primeira pergunta que temos de responder é a seguinte: para quem João Batista dirigiu essa palavra? Observando o contexto, vemos que muitos iam até João Batista e, arrependidos de seus pecados, eram batizados por ele com água (Mateus 3:5-7). Mas entre estes, alguns iam até João com outros propósitos; estes são identificados como os fariseus e saduceus (Mateus 3:7). Foi diretamente a eles que João disse essa palavra, que começa no verso 7: “Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?”

(2) João questiona veementemente a falsidade e hipocrisia do arrependimento dos fariseus e saduceus (Mateus 3:8-9). Eles estavam ali com outros objetivos, não com o de se arrependerem dos seus pecados e viver uma nova vida. Nesse contexto João diz algo interessante a eles que nos ajudará a compreender o que significa batismo com fogo: “Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Mateus 3:10). O fogo citado aqui, claramente aponta para o julgamento de Deus e a justa condenação dos ímpios.

(3) Dentro desse contexto João continua sua fala aos fariseus e saduceus e, claro, para aqueles que deveriam estar ali ouvindo toda essa conversa, explicando a eles da vinda do Messias, que seria maior do que ele (Mateus 3:11). Esse Messias estaria apto a oferecer dois batismos, sendo: o batismo com o Espirito Santo: é o batismo do arrependimento, a morte para a velha vida, a purificação dos pecados, a nova vida, etc. E o batismo com fogo: Esse é o batismo no qual os perversos serão batizados, conforme o próprio João explica na sequência: “A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível” (Mateus 3:12).

(4) Esse trigo que será recolhido no celeiro são os salvos, os batizados com o Espírito Santo, os selados pelo Espírito Santo da promessa (Efésios 1:13). Já a palha que será jogada em fogo inextinguível são os ímpios, batizados com o fogo do juízo de Deus. Como vimos, todo o contexto usa o fogo como símbolo do juízo de Deus sobre os perversos.

(5) Sabemos que nas Escrituras Sagradas o fogo é usado com diversos significados. Por exemplo, como símbolo de purificação, da provação, do juízo, etc. Para que o sentido da palavra fogo seja corretamente atribuído a um texto é importante avaliar cada contexto para não cometer erros. Como vimos claramente nesse texto que analisamos neste estudo, o batismo com fogo é claramente identificado como o batismo que Deus aplica nos ímpios, um batismo de condenação justa.

(6) Assim, caro leitor, o crente verdadeiro não deve ser batizado com esse fogo citado nesse texto, pois se o for, nem mesmo poderá mais ser chamado de crente, pois, na verdade, nunca o foi. Antes, se for batizado com esse fogo citado por João Batista, será um batismo de condenação.

[Por André Sanches]

Faraó morreu ou não morreu na travessia do Mar Vermelho?


Pergunta: Nessa semana a Rede Record transmitiu a novela Dez Mandamentos que mostrou a travessia do povo de Israel pelo Mar Vermelho. Na novela o Faraó do Egito não morre. Sempre fui ensinado que o Faraó morria junto com seu exército. Fiquei confuso agora. O que a Bíblia diz a respeito dessa questão? Faraó morreu ou não morreu na travessia do Mar Vermelho?

Caro leitor, recebi perguntas de vários irmãos em Cristo com essa mesma dúvida, se o Faraó morreu ou não morreu na travessia do Mar Vermelho. Para termos uma resposta bíblica, vamos analisar o que temos de fato escrito na Bíblia sobre essa questão:

(1) O texto principal que narra a perseguição dos israelitas e a travessia do Mar Vermelho se encontra em Êxodo 14:1-30. Podemos perceber nessa narrativa que o Faraó sai junto com um exército escolhido de seiscentos carros em perseguição aos israelitas (v.v.6-7). Ou seja, fica claro que o Faraó sai liderando seu exército nessa perseguição aos israelitas com o claro objetivo de trazê-los de volta à escravidão no Egito.

(2) O texto de Êxodo não nos diz objetivamente se o Faraó entrou ou não no Mar Vermelho atrás dos Israelitas: “Os egípcios que os perseguiam entraram atrás deles, todos os cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavalarianos, até ao meio do mar” (Êxodo 14:23). Também não temos uma menção objetiva de que o Faraó tenha sido engolido pelas águas quando desabaram sobre os egípcios: “E, voltando as águas, cobriram os carros e os cavalarianos de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; nem ainda um deles ficou” (Êxodo 14:28).

(3) Considerado isoladamente, a narrativa de Êxodo não nos dá elementos concretos para podermos afirmar com 100% de certeza que Faraó tenha morrido na travessia do Mar Vermelho. Porém, causa estranheza o fato do Faraó vir com seu exército e no momento mais esperado pelos egípcios, que era de perseguir de perto e capturar o povo israelita, o Faraó simplesmente pare de liderar o exército que vinha liderando por todo o caminho e fique apenas observando. Era comum que reis e faraós liderassem seus exércitos nesse tipo de campanha de guerra. Mas ao mesmo tempo causa estranheza que Moisés não tenha registrado a morte do principal inimigo do povo de Deus naquele momento. Será que Moisés pode não ter visto se o Faraó também foi tragado pelas águas? É uma possibilidade. No cântico de Moisés registrado em Êxodo 15, Moisés também não relata a morte do Faraó: “Lançou no mar os carros de Faraó e o seu exército; e os seus capitães afogaram-se no mar Vermelho” (Êxodo 15:4).

(4) Por outro lado, considerando um outro texto bíblico que fala sobre a vitória do povo israelita sobre os egípcios, temos a menção do Salmos 136:15: “mas precipitou no mar Vermelho a Faraó e ao seu exército, porque a sua misericórdia dura para sempre” (Salmos 136:15-17). Nesse texto bíblico a menção da morte do Faraó é clara. Talvez uma explicação para essa menção posterior da morte do Faraó nesse Salmo seja um indicador de que Moisés quando escreveu o relato de Êxodo não tivesse a certeza da morte dele, mas, posteriormente, a notícia dessa morte tenha sido divulgada quando os egípcios ficaram sabendo de tudo o que ocorreu e a notícia se espalhou, o que permitiu a outros escritores bíblicos terem essa certeza e registrá-la.

(5) Dessa forma, em minha opinião, a Bíblia nos dá elementos suficientes para crer que Faraó tenha sim morrido na travessia do Mar Vermelho, junto com seu exército. Fato esse que Moisés não tinha certeza à época do seu registro de Êxodo (por isso não o registrou), mas que, depois, pode ser confirmada e registrada de forma clara pelo autor do Salmos 136.

[Por André Sanches]

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

É tão lindo... só que não!


É tão lindo ver os líderes da igreja valorizando dogmas eclesiásticos, confissões denominacionais, regras e normas em detrimento daqueles por quem Cristo entregou-se, o ser humano. É tão lindo... só que não!
                                  
É tão lindo ver as igrejas unindo-se em um único propósito de transformar a vida dos cidadãos e, consequentemente, da sociedade. Porém, o que vemos são “generais” e “coronéis” religiosos querendo propagar seus nomes e ministérios no afã de difundirem seus impérios e engordarem suas contas bancárias. Parece que o único objetivo desses "papas" evangélicos é construir templos para si. Desta forma, opõem-se à Bíblia, que nos orienta a edificar santuários para o Eterno. Infelizmente, a ganância cega seus olhos: como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta (e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu), aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças, e vestes brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os olhos com colírio, para que vejas (Ap 3.17,18).
                                  
É tão belo ver pastores levantando suas vozes na mídia em favor do necessitado, verberando contra as injustiças sociais e pregando o amor que o Carpinteiro de Nazaré propagou durante seus anos de vida na terra. Entretanto, para alguns, é mais vantajoso fustigar contra classes minoritárias em lutas irrelevantes e inglórias.

É de bom grado que os cristãos amem a leitura como desejam as bênçãos e as vitórias. Todavia, para a grande maioria, o atalho das benesses é mais atrativo do que o exercício da contemplação. Para muitos líderes, é melhor que a massa fique na inércia do conhecimento e tenham seus olhos escamados para sempre. Esquecem-se de que o mais precioso que Deus nos deixou foi Sua Palavra impressa, e é através dela que conheceremos nosso meigo e terno Salvador. Mas, retornar à era das trevas é mais vantajoso do que propagar a luz do conhecimento.

É maravilhoso ver a sociedade sendo transformada por pequenas atitudes tomadas pela igreja, que, na origem de sua constituição, caía na graça do povo (At. 2.47). Contudo, geramos a raiva da sociedade com gestos e palavras sectárias, vazias de amor e beligerantes. 

É magnífico, bíblico, esplendoroso e divino ver a religião evangélica abandonando as paredes das “prisões eclesiásticas” (igreja institucional), marchando em direção ao mundo a fim de levar as boas novas do reino, contribuindo para a libertação social, política e espiritual. É magnífico ver tamanha preocupação altruística genuína... só que não!

É louvável ver a comunidade evangélica convertendo o fruto dos seus lábios em atitudes concretas em prol da dignidade humana. No entanto, para muitos líderes que se intitulam discípulos de Jesus, o ser humano é uma simples casa de câmbio onde o interesse é trocar "bênçãos" por cifrão. Nestes recintos, o objetivo é olhar para o bolso, pois não se importam em cuidar do coração. 

É tão bom quando os pregadores usam os púlpitos para encher nosso coração de palavras de prosperidade, de bênção e colocam Jesus de lado, sem dar menor importância àquele que morreu por nós! É tão bom... só que não!

Será tão gratificante quando, na eternidade, no dia do acerto de contas, o Filho de Deus disser: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo (Mt 25.34). Contudo, para sermos merecedores dessa graça, precisamos vestir os despidos, alimentar os famintos, visitar os presos, suprir a necessidade de água dos sedentos e encarnar a justiça divina na terra, como Jesus ensinou na oração do Pai-nosso: venha o teu Reino. Reino este que não se traduz em festas (comida e bebida), mas de justiça, paz, alegria, amor e valorização das criaturas feitas à imagem e semelhança do Deus-de-toda-graça. 
Enquanto o dia do acerto de contas não chega, continuemos contemplando com satisfação e contentamento todas as atrocidades cometidas pelos caciques da fé, tais como: injustiças, subornos, covardia contra os mais fracos, insensibilidade, indiferença com os menos favorecidos, vida de luxúria, carros milionários, distorção do texto bíblico em benefício próprio, enriquecimento ilícito; chantagens, ameaças de maldições, etc.. Tudo isso é tão lindo... só que não!

[Texto em parceria com o amigo Bruno Gomes]

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O problema de Mateus 11.12


A salvação é pela graça ou depende do esforço pessoal? Boa parte dos cristãos responderiam com um enfático "Sola Gratia!". Alguns, porém, diriam que é pela graça cooperando com esforço humano. E ainda alguns poucos afirmariam que depende fundamentalmente do empenho pessoal. Nestes dois últimos casos, pode-se buscar apoio em Mateus 11:12 onde Jesus diz que “desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele” (Mt 11.12). Entretanto, este texto é de difícil tradução e representa um desafio considerável de interpretação.

Algumas traduções existentes em português dizem que "o reino dos céus é tomado à força"(NVI, 2000; TB, 2010), que "o reino dos céus é tomado por esforço" (ARA, 1993), que "se faz violência ao Reino dos céus" (ARC, 1968; ARC, 1969; ARC, 1995), que "o reino dos céus tem sido assaltado com violência" (APC, 1991) e que "o Reino do Céu tem sido atacado com violência"(NTLH, 2000). Sobre a identidade dos que tomam o reino é dito que são “os que usam de força”(NVI, 2000), "os que se esforçam" (ARA, 1993; TB, 2010) ou ainda "os violentos" (APC, 1991; NTLH, 2000). Há boas razões para se optar por uma ou outra tradução, mas obviamente não podem todas estar igualmente corretas.

O termo traduzido para a expressão "tomado por esforço” e suas alternativas é biazetai, derivado de biazo, que significa "usar a violência, aplicar a força; forçar, infligir violência em". O termo só ocorre aqui e em Lc 16:16, mas cognatos de biazetai são usados na Septuaginta. Exatamente na mesma forma encontrada em Mt 11:12, o verbo só ocorre no apócrifo 4 Macabeus 2.8, com o significado de “aprisionar, tornar subserviente, dominar, forçar, violentar, subjugar, dominar, pisar”. O verbo está na voz passiva. A expressão “os que se esforçam” é tradução de biastai, substantivo que significa “forte, impetuoso, que faz uso da força, violento”“o que emprega a violência, pessoa impetuosa” ou “uma pessoa que apela para a violência para alcançar os seus objetivos”.

Uma questão que surge na análise de biazetai e biastai é se são usados de uma forma favorável ou desfavorável, ou seja, se denotam algo bom ou mau. Como vimos, biazetai está na voz passiva, o que significa literalmente que o reino “é forçado, vencido, superado, tomado pela tormenta”. A voz passiva de biazo só ocorre no sentido de uma subjugação hostil ou violenta, portanto, mau. No grego extra-bíblico biastes ocorre em Filo sempre num mau sentido. Uma vez que o termo biazetai na voz passiva implica o uso de força e até mesmo de violência, o sentido de que o reino sofre violência de natureza desfavorável parece-nos a mais provável.

Isto tudo considerado, entendemos que a leitura mais natural do texto é a que diz que desde o tempo de João o reino de Deus e seus trabalhadores sofrem violência da parte de seus inimigos, que tentam evitar ou usurpar o governo divino. O grego indica que o reino está sendo atacado e que homens violentos estão tratando de impedir que outros entrem. A prisão de João e a rejeição e execução de Jesus a acontecer logo em seguida corroboram essa interpretação. Sendo assim, os biastai (violentos) são os líderes religiosos dos dias de Jesus, que reclamavam por conta próprio um direito sobre o reino ou os grupos revolucionários que pretendiam um reino terreno, como os zelotes e outros ativistas, mas não os discípulos de Jesus. Herodes pode ser incluído nessa lista pois prendeu e iria executar João.

O contexto parece reforçar a ideia de que o reino é atacado por inimigos e que seus súditos são perseguidos. No capítulo anterior, quando Jesus enviou os doze dizendo “pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus” (Mt 10:7) avisou “eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos”(Mt 10:16) e acrescentou “acautelai-vos, porém, dos homens; porque eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas...” (Mt 10:17) “e odiados de todos sereis por causa do meu nome” (Mt 10:22). No capítulo 12 a perseguição anunciada no capítulo 10 e implícita no capítulo 11, começa a tornar-se explícita: “E os fariseus, vendo isto, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num sábado” (Mt 12:2) e “os fariseus, tendo saído, formaram conselho contra ele, para o matarem” (Mt 12:14).

Os violentos, então, não seriam discípulos determinados, mas inimigos que tentam arrebatar o reino pela força, não entrando e tentando impedir que outros tomem parte dele. Os discípulos de Jesus são descritos no mesmo capítulo, não como homens violentos ou valentes, mas sim como pequeninos e oprimidos: “Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11:25-27).

Se esta interpretação estiver correta, o uso de Mt 11:12 para defender o esforço humano na obtenção da salvação é impróprio. Aliás, advogar a interpretação de que o reino de Deus é conquistado por pessoas esforçadas levanta sérios problemas com o ensino claro e inequívoco de que salvação é unicamente pela graça e pelo poder de Deus.

Soli Deo Gloria

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Minha confissão de fé


1. Creio que meu único objetivo na vida e na morte deve ser glorificar a Deus e gozá-lo para sempre; e que Deus me ensina a como glorificá-lo em sua santa Palavra, isto é, a Bíblia, que ele deu pela inspiração infalível do seu Espírito Santo, para que eu pudesse saber com certeza no que crer concernente a ele e quais deveres ele requer de mim. 

2. Creio que Deus é um Espírito, infinito, eterno e incomparável em tudo o que ele é; um Deus, mas três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo; meu Criador, meu Redentor, e meu Santificador; em cujo poder e sabedoria, justiça, bondade e verdade posso depositar minha confiança com segurança. 

3. Creio que os céus e a terra, e tudo o que neles há, são obra das mãos de Deus; e que tudo o que ele fez, agora dirige e governa em todas as suas ações; de forma que cumprem o fim para o qual foram criados; e eu, que confio nele, não serei envergonhado, mas posso descansar com segurança na proteção de seu amor todo-poderoso. 

4. Creio que Deus criou o homem segundo a sua imagem, em conhecimento, justiça e santidade, e entrou num pacto de vida com ele sobre a condição única de obediência, que era o seu dever: de forma que foi por pecar deliberadamente contra Deus que o homem caiu no pecado e miséria no qual nasci. 

5. Creio que, tendo caído em Adão, meu primeiro pai, sou por natureza um filho da ira, sob a condenação de Deus e corrompido no corpo e alma, tendente ao mal e suscetível à morte eterna; de qual estado terrível não posso ser liberto, salvo por meio da graça imerecida de Deus meu Salvador. 

6. Creio que Deus não deixou o mundo perecer em seu pecado, mas por causa do grande amor com o qual o amou, desde toda a eternidade escolheu graciosamente para si uma multidão que ninguém pode contar, para livrá-los do seu pecado e miséria, e deles edificar novamente no mundo seu reino de justiça: no qual reino posso estar seguro ter minha parte, se me apego a Cristo o Senhor.

7. Creio que Deus redimiu o seu povo para si através de Jesus Cristo nosso Senhor; que, embora fosse e sempre continua ser o eterno Filho de Deus, todavia nasceu de uma mulher, nascido sob a lei, para que pudesse redimir aqueles que estavam sob a lei: creio que ele suportou a penalidade devida aos meus pecados em seu corpo no madeiro, e cumpriu em sua pessoa a obediência que eu devia à justiça de Deus, e agora me apresenta ao seu Pai como sua possessão comprada, para o louvor da glória de sua graça para sempre: portanto, renunciando todo o mérito meu, coloco toda a minha confiança no sangue e justiça de Jesus Cristo meu redentor. 

8. Creio que Jesus Cristo meu redentor, que morreu por minhas ofensas, ressuscitou para a minha justificação, e subiu aos céus, onde se assenta à mão direita do Pai Todo-poderoso, faz contínua intercessão pelo seu povo, e governa o mundo todo como o cabeça sobre todas as coisas para a sua Igreja: de forma que não preciso temer nenhum mal e posso saber com segurança que nada pode me arrebatar das suas mãos, e nada pode me separar do seu amor. 

9. Creio que a redenção realizada pelo Senhor Jesus Cristo é eficazmente aplicada a todo o seu povo pelo Espírito Santo, que opera fé em mim e através da qual me uno a Cristo, renova-me no homem completo segundo a imagem de Deus, e me capacita mais e mais a morrer para o pecado e viver para a justiça; até que essa obra graciosa tenha sido completada em mim, e eu seja recebido na glória – na qual grande esperança habita –, devo esforçar-me para aperfeiçoar a santidade no temor de Deus. 

10. Creio que Deus requer de mim, sob o evangelho, em primeiro lugar, que, como resultado de um verdadeiro senso do meu pecado e miséria e apreensão da sua misericórdia em Cristo, devo me voltar com tristeza e ódio do pecado, e receber e descansar em Jesus Cristo somente para a salvação; assim, ao ser unido a ele, posso receber perdão para os meus pecados e ser aceito como justo aos olhos de Deus somente pela justiça de Cristo imputada a mim, e recebida pela fé somente; e assim, e somente assim, creio que posso ser recebido no número e ter direito aos privilégios dos filhos de Deus. 

11. Creio que, tendo sido perdoado e aceito por causa de Cristo, é adicionalmente requerido de mim que ande no Espírito que ele adquiriu pra mim, e por quem o amor é derramado em meu coração; cumprindo a obediência que devo a Cristo meu Rei; realizando fielmente todos os deveres que me são impostos pela santa lei de Deus, meu Pai celestial; e sempre refletir em minha vida e conduta, o perfeito exemplo que foi estabelecido por Cristo Jesus meu Líder, que morreu por mim e me concedeu o seu Espírito Santo, de forma que eu possa fazer as obras que Deus de antemão preparou para que eu andasse nelas. 

12. Creio que Deus estabeleceu a sua Igreja no mundo e concedeu-lhe o ministério da Palavra e as santas ordenanças do Batismo, a Ceia do Senhor e a Oração; para que através desses como meios, as riquezas de sua graça no evangelho possam ser feitas conhecidas ao mundo, e, pela bênção de Cristo e a operação do seu Espírito naqueles que pela fé recebem esses meios, os benefícios da redenção possam ser comunicados ao seu povo: razão pela qual é requerido de mim também que participe desses meios de graça com diligência, preparação e oração, para que por meio deles eu possa ser instruído e fortalecido na fé, e na santidade de vida e em amor; e que eu use meus melhores esforços para comunicar esse evangelho e transmitir esses meios de graça ao mundo todo. 

13. Creio que como Jesus Cristo veio uma vez em graça, assim também ele virá uma segunda vez em glória, para julgar o mundo em justiça e designar a cada um sua recompensa eterna: e creio que se eu morro em Cristo, minha alma será na morte aperfeiçoada em santidade e voltará para o Senhor; e quando ele retornar em sua majestade, serei ressuscitado em glória e feito perfeitamente bendito no pleno gozo de Deus por toda a eternidade: encorajado por essa bendita esperança, requer-se de mim tomar alegremente minha parte no duro sofrimento aqui como soldado de Cristo Jesus, estando certo que se morro com ele também viverei com ele, se sofro, também reinarei com ele. E a Ele, meu Redentor, com o Pai, e o Espírito Santo, Três Pessoas, um Deus, seja glória eternamente, para todo o sempre, Amém, e Amém.  

sábado, 18 de julho de 2015

As tocantes verdades da flor (Final)


A perseverança dos santos — dificuldades
Num cenário evangélico dominado por uma forma de arminianismo rasa e ingênua, é natural que existam ataques à doutrina da preservação dos santos. Muitas vezes, esses ataques buscam fundamento em textos bíblicos. A seguir são alistados alguns desses textos, com breves comentários que mostram quão distantes estão de ensinar a perda da salvação.
Mateus 10.22; 24.13 (com paralelo em Ap 2.26) — Esses versículos dizem que “quem perseverar até o fim será salvo”. Isso faz com que alguns entendam que a salvação é pela fé somada à firmeza e afirmam que crer em Cristo não basta, sendo preciso também ficar firme em meio às provas. Contudo, o próprio Mestre disse que é impossível que os escolhidos abdiquem de sua fé, mesmo nos tempos mais difíceis (Mt 24.24). Portanto, o que esses versículos realmente significam é que existe uma fé falsa que, não tendo origem divina, é sem resistência e cedo desaparece, tão logo surjam as provas. Na Parábola do semeador, Jesus falou dessa fé ilusória e passageira e a contrastou com a fé real e perene dos crentes (Mt 13.1-23). Assim, quando Jesus disse que quem perseverar até o fim será salvo, seu objetivo não era ensinar a perda da salvação ou a salvação pela fé somada à perseverança. Antes, seu propósito era declarar que os crentes verdadeiros são aqueles cuja fé é do tipo que perdura, haja o que houver (Hb 3.14). Os que não têm essa fé durável não serão salvos, pois uma fé assim não é a fé salvadora que Deus concede aos seus eleitos.
Romanos 11.17-22 — Nesse texto, Paulo usa uma analogia, dizendo que os crentes são ramos que foram enxertados na “oliveira” de Deus. Então, ele adverte esses “ramos” acerca do perigo de serem cortados. Muitos entendem que aqui Paulo alerta sobre o risco de alguém perder a salvação. Na analogia de Paulo, porém, ser parte da oliveira, não significa unicamente ser salvo. Note-se que, quando ele fala dos ramos naturais que foram cortados (v.17), não se refere a judeus que tinham sido salvos e que depois caíram dessa posição. Antes, fala de judeus que desfrutavam das bênçãos dirigidas a Israel, mas que nunca tinham experimentado o novo nascimento. Isso também podia acontecer com alguns gentios ligados à igreja de Roma. Eles podiam se beneficiar das bênçãos do evangelho e depois serem cortados do desfrute dessa “seiva” por não terem uma fé perseverante. Na verdade, isso é muito comum de se ver nas igrejas.
Gálatas 5.4 — Nessa passagem, o desligar-se de Cristo e o cair da graça podem dar a entender que isso se aplica a pessoas que estavam ligadas a Cristo e firmadas na graça, tendo depois perdido essa condição. No entanto, esse texto se dirige a pessoas que procuravam “ser justificadas pela Lei”, ou seja, a incrédulos judaizantes infiltrados nas igrejas da Galácia — pessoas que Paulo chama de “falsos irmãos” (2.4). Os termos usados nesse texto mostram que essas pessoas, na busca da justificação pelas obras, haviam se afastado de Cristo e se autoexilado longe dos domínios da graça.
Hebreus 6.4-8 — Ao contrário do que os arminianos dizem, esse texto não fala de crentes, mas sim de incrédulos que durante um longo tempo se envolveram com as coisas do Reino, participando de suas bênçãos e testemunhando seu poder, mas que, depois disso tudo, produziram somente coisas más. A ilustração dos vv. 7-8 mostra que o texto fala de pessoas sobre quem a “chuva” do Espírito caiu “frequentemente” e que, mesmo assim, produziram “espinhos e ervas daninhas”. Trata-se, portanto, aqui, de um incrédulo diferente, que ouviu, provou e testemunhou por anos a fio o poder do Espírito Santo, virando-lhe, afinal, as costas e mergulhando no mal. O v.6 diz que é “impossível” que esse tipo de incrédulo seja restaurado — algo que não se aplica no caso de desvio de crentes, conforme mostram a Bíblia e a experiência comum.
Hebreus 10.26-31 — Muitos entendem que a palavra “fogo” presente nesse texto se refere ao inferno e à perdição eterna que podem alcançar crentes que pecam deliberadamente. No entanto, a palavra fogo deve ser entendida aqui como um castigo presente, aplicado neste mundo. O v.28 mostra que é esse tipo de castigo que o autor tem em mente. Veja esse sentido também em 1Pedro 4.12.
Os inimigos da doutrina da perseverança dos santos não devem apenas rever a hermenêutica desses textos, mas também lidar com questões difíceis. Por exemplo: se alguém perder a salvação, como pode obtê-la novamente? A resposta a essa pergunta geralmente envolve alguma obra Iigada ao abandono do pecado. Assim, o que o crente deve fazer para restaurar sua comunhão com Deus se torna uma obra pessoal para restaurar sua salvação diante de Deus. No final das contas, a “segunda salvação” acaba sendo pela fé somada a uma medida que a pessoa toma para ser readmitida na igreja.
Outro problema diz respeito à segurança e à paz interior do crente. Se a salvação pode nos escorrer por entre os dedos, quando poderemos, de fato, descansar na redenção que há em Cristo? Quando poderemos saber que tudo está realmente “OK” entre nós e Deus? Ora, todos pecamos todos os dias! Como podemos saber se “ainda” estamos salvos? Sim, pois se a salvação se perde por causa do pecado pessoal do crente, quantos pecados bastariam para perdermos nossa herança? Um seria suficiente? Ou seriam necessários dez? E quanto tempo teríamos de permanecer nesses pecados para deixarmos de ser filhos de Deus? Um dia, um mês, um ano? E mais: quais pecados seriam mais eficazes em fazer com que percamos a salvação? Seria necessário adulterar, roubar e matar ou uma fofoca é suficiente para que sejamos condenados novamente ao inferno? Precisamos saber essas coisas para não ultrapassar os limites!
Ora, uma vida vivida nesse suspense está muito longe daquela realidade de paz, descanso e segurança que a Bíblia promete aos crentes em Jesus (Jo 14.1-3; Rm 5.1,2; 2 Tm 1.12; 4.8).
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

As tocantes verdades da flor (Parte 7)


A perseverança dos santos
Chegamos ao último ponto da soteriologia reformada. Aqui, os oponentes do calvinismo se dividem. Muitos (especialmente entre os batistas) rejeitam os demais pontos, mas adotam esse. Outros rejeitam esse também (por exemplo, os assembleianos), dizendo que o crente tem de tomar muito cuidado para não perder a salvação. No cômputo geral, porém, a maioria dos arminianos acredita que o crente pode sim perder a condição de filho de Deus e herdeiro do céu.
Armínio nunca foi contra a doutrina da perseverança dos santos. Na verdade, ele disse apenas que acerca desse assunto era necessária uma reflexão maior. Assim, os que negam essa doutrina são os arminianos posteriores que tendem muito mais a centralizar no homem a responsabilidade por sua salvação.
A doutrina da perseverança dos santos é também chamada de doutrina da “preservação” dos santos e afirma que aqueles a quem Deus escolheu desde a eternidade e chamou de forma irresistível, ele também guarda da queda absoluta, sendo impossível que percam a salvação. Trata-se de um ensino que realça a segurança eterna dos salvos e fornece o fundamento teológico para a famosa fórmula: “Uma vez salvo, salvo para sempre”.
As bases bíblicas para a doutrina da perseverança dos santos são as seguintes: 
João 10.27-29 — Nesse texto, Jesus afirma que dá a vida eterna às suas ovelhas e que elas não podem perecer. Ele diz ainda que suas ovelhas estão em suas mãos e nas mãos do Pai, sendo que nada pode arrebatá-las dessas mãos.
Romanos 8.29,30,33-35,38,39 — Esses versículos indicam que aqueles que Deus predestinou serão fatalmente glorificados. Também destacam que os eleitos do Senhor estão acima de qualquer acusação e que absolutamente nada, no universo visível e invisível, pode separar essas pessoas do amor de Deus.
1Coríntios 3.15 — Esse texto ensina que, no dia do Tribunal de Cristo, até mesmo os crentes que o serviram mal serão salvos, deixando apenas de receber galardão.
1Coríntios 5.1-5 — Aqui Paulo fala de um crente que fornicava com a mulher do seu próprio pai. O apóstolo diz que esse homem devia ser expulso da igreja e afirma que, mesmo assim, ele seria salvo no dia do Senhor.
Efésios 1.13,14 — Nessa passagem, Paulo fala que os crente foram selados com o Espírito Santo da promessa e que esse selo é a garantia da sua herança até o dia da redenção (Ef 4.30).
1Coríntios 1.7,8, Filipenses 1.6, 1Tessalonicenses 5.23,24, 1Pedro 1.5; 5.10 e Judas 24,25 — Todos esses textos ensinam que é o próprio Deus quem firma o crente e o preserva em fidelidade até o último dia, sendo a perseverança dos santos uma obra dele operada em seus eleitos.
Mesmo diante de textos tão claros, os arminianos atacam ferozmente a doutrina da segurança eterna dos salvos. Geralmente, eles fazem isso alegando que esse ensino estimula o pecado e a lassidão espiritual. Segundo os arminianos, o crente que acreditar que a salvação não pode ser perdida não terá temor de Deus e viverá fazendo o que bem entende, sob a falsa segurança de que, de um modo ou de outro, irá para o céu.
Essas alegações, porém, decorrem da ideia nutrida pelos arminianos de que a fé salvadora é uma mera reação humana ao evangelho. Sabe-se, contudo, que, conforme já visto, a fé que salva é uma obra sobrenatural na vida daqueles que Deus escolheu. Essa fé sobrenatural é poderosamente transformadora e santificadora, sendo impossível que aquele que a tem viva continuamente no pecado, se revolvendo alegre na podridão deste mundo (1Jo 2.4,19). Decididamente, os que atacam a doutrina da perseverança dos santos com essas alegações não compreenderam o caráter transformador e renovador da fé salvífica (1Jo 5.4,5).
Os inimigos da preservação eterna dos santos também tentam basear suas ideias em alguns textos bíblicos. No próximo artigo vamos analisar brevemente esses textos.
(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

quinta-feira, 16 de julho de 2015

As tocantes verdades da flor (Parte 6)


A graça irresistível
De todas as pétalas da Tulipa, essa é a que eu acho a mais notável e bonita. Trata-se do ponto da teologia reformada que mais mexe com a nossa memória, fazendo a gente lembrar aquele dia maravilhoso em que o Senhor nos chamou doce e mansamente pelo nosso próprio nome e, rompendo a dureza do nosso coração, nos atraiu para si (Jo 10.2,3).
Mesmo, porém, envolvendo realidades tão ricas e belas, a quarta pétala da nossa flor não fica livre dos ataques da teologia humanista que reina no meio evangélico. Por isso, antes de tudo, é preciso destacar o que a graça irresistível não é.
Em primeiro lugar, a graça irresistível não é uma violência contra a personalidade ou, mais especificamente, contra a vontade humana (já vi arminianos dizendo que a doutrina da graça irresistível ensina uma forma de estupro espiritual! Outros dizem que ela transforma os salvos em marionetes. Para mim, essas afirmações beiram a blasfêmia). É claro que Deus não tem obrigação nenhuma de "respeitar" a vontade humana e ele, muitas vezes, sendo o Senhor soberano, a “atropela” (os arminianos usam esse termo para criticar os calvinistas), sem que isso em nada diminua ou detrate a grandeza de seu caráter (veja isso, por exemplo, na história de Jonas, em que a vontade do profeta de ir para Társis foi “atropelada” por Deus. Veja tb. Is 43.13 e Dn 4.35).
Na maior parte das vezes, porém, não é assim que age a graça irresistível. Essa graça, quase sempre, atua por meio do convencimento lento e paciente, algo que se processa frequentemente ao longo de anos — anos em que o Senhor busca o seu eleito em diferentes ocasiões, fala com ele aos poucos (por muitas e variadas formas), trabalha lentamente em seu coração e o persuade, enfim, a segui-lo.
Obviamente, há casos em que Deus age com vigor maior (veja como foi com Paulo, em At 9.3-5), mas mesmo nessas ocasiões, o Senhor atua na vontade humana, fazendo com que a pessoa creia nele e queira segui-lo. O fato é que ninguém se torna discípulo de Jesus “pela orelha”. Todas as suas ovelhas quiseram e querem segui-lo. A questão não é essa. A questão é como, estando espiritualmente mortas (depravação total), essas pessoas desejaram um dia segui-lo. E a resposta é simples: a graça irresistível de Deus atuou nelas.
Em segundo lugar a graça irresistível não é do tipo que nunca é resistida. Já vi arminianos dizerem absurdos do tipo: “Eu não creio na doutrina da graça irresistível porque eu mesmo resisti muito tempo antes de crer”. A pessoa que diz isso prova o que todos os calvinistas já sabem sobre o arminianismo moderno: é um modelo que critica o calvinismo sem saber o que ele ensina. Na verdade, a teologia reformada jamais negou que a graça salvadora de Deus pode ser resistida. O que o modelo reformado diz é que essa graça não pode ser resistida para sempre. Veja o exemplo de Paulo. O Senhor lhe disse: “Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões” (At 9.5). Essa frase talvez indique que Paulo estava sendo incomodado por Jesus já havia algum tempo, mas se recusava a se curvar. No fim, porém, o Senhor o derrubou (literalmente!) e a graça se mostrou então não somente salvadora, mas também vencedora.
Outras histórias, além da de Paulo, provam que a graça irresistível pode ser resistida por algum tempo, mas sai vitoriosa ao final, convencendo, humilhando, quebrantando e fazendo o indivíduo desejar o Salvador. Entre essas histórias, talvez o leitor possa acrescentar a sua própria, lembrando a forma especial, amorosa e paciente com que o Senhor, talvez ao longo de um lento processo, o buscou e o convenceu a segui-lo de todo o coração.
Tendo mostrado um pouco do que a graça irresistível não é, vamos agora ver o que ela é. Essa graça, quando em operação, é também denominada “chamado eficaz”, pois trata-se de uma vocação divina para a fé que, conforme vimos, no fim sempre sai vitoriosa. O chamado eficaz é diferente do chamado geral. Este é dirigido a todos os que ouvem o evangelho, enquanto aquele só é dirigido aos eleitos.
Por exemplo: veja o caso de Lídia, em Atos 16.13,14. Enquanto escutavam a pregação dos apóstolos, todas as mulheres ali ouviram o chamado geral (o convite dos pregadores a crer no evangelho), mas somente Lídia ouviu o chamado eficaz (o Senhor lhe abriu o coração). Note a diferença: o primeiro chamado (o geral) alcançou a todas; já o segundo (o chamado eficaz) só alcançou Lídia. Outro exemplo pode ser visto em Atos 13.46-48. Esse texto mostra que Paulo e Barnabé começaram a pregar para todos os gentios (chamado geral), mas creram somente os que haviam sido designados para a vida eterna (graça especial ou chamado eficaz). Foi por causa dessas realidades que Jesus disse em Mateus 22.14 que muitos são chamados (ouvindo o convite geral do evangelho), mas poucos são escolhidos (para atender o chamado de Deus). Esses “escolhidos” são aqueles que a eleição divina separou, de maneira que Deus atua neles de forma especial, conduzindo-os à fé.
Outros textos bíblicos que falam da graça irresistível são os seguintes:
João 6.37 — Nessa passagem, Jesus diz que aqueles que o Pai lhe dá irão até ele. Isso mostra que só podem ir a Cristo as pessoas que são sobrenaturalmente dirigidas pelo Pai. Ninguém pode ir por si mesmo, sem que Deus o capacite (veja os vv.44,65). É a essa condução e capacitação de Deus que chamamos de graça irresistível.
João 10.16 — Esse versículo mostra que Jesus tem seus escolhidos espalhados pelo mundo e que, no tempo devido, ele os chama individualmente (veja os vv.2,3). Quando isso acontece, essas pessoas ouvem a sua voz e o seguem numa nova vida de comunhão e conhecimento de Deus (veja Mt 11.27).
Romanos 8.30 — Aqui Paulo diz que aqueles que Deus predestinou, a estes também chamou, justificando-os a seguir. Obviamente, trata-se aqui de um chamado especial, dirigido somente aos que Deus predestinou. O chamado de que se trata nessa passagem é eficaz, pois é seguido pela justificação.
1Coríntios 1.26-29 — É clara aqui a alusão que Paulo faz à vocação especial de Deus. Ele estimula os coríntios a aprender algo sobre essa vocação observando os crentes em geral (os que “Deus escolheu”,vv.27,28). Ele afirma que Deus chamou de forma eficaz um número grande de “fracos”. Em contrapartida, essa chamada eficaz atuou num número pequeno de “poderosos”. O apóstolo ensina que a vocação salvífica foi administrada dessa forma para que a sabedoria do mundo fosse humilhada e ninguém se orgulhasse achando que foi salvo por algum mérito pessoal (veja Mt 11.25-26).
A doutrina da graça irresistível torna a flor reformada ainda mais linda, gerando humildade e gratidão no homem salvo, pois este saberá que creu não por ser mais inteligente ou apto, mas porque Deus agiu de modo sobrenatural em seu coração. E mais do que isso: essa doutrina remove também do “ganhador de almas” toda a base para o orgulho, mostrando a ele que, caso tenha algum sucesso em sua obra evangelística, isso será fruto da graça irresistível e do chamado eficaz de Deus, nunca dos seus talentos ou habilidades pessoas. Assim, o evangelista reformado dirá com Paulo: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimentoPor isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1Co 3.6,7).
(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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