sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Caminhos e descaminhos do Centenário da AD


No jargão do futebol, quando um time completa cem anos, comemora-se o chamado “centenário”. Contudo, o que as torcidas rivais mais gostam é quando o time em questão, em pleno ano do centenário, não consegue nenhum título. Esses torcedores rivais passam então a usar um neologismo: “cente-nada!” A Assembleia de Deus está numa encruzilhada histórica: sua escolha definirá sua sobrevivência: centenário ou “cente-nada”?

Os descaminhos estão cada vez mais perigosos:

Descaminhos são atalhos da fé. A ideia perigosa de que caminhos mais curtos são sinais das bênçãos de um facilitador divino.

Descaminhos são espécies de tendências do mal: opções pelas rotas da facilidade, que permitem o “abraço de urso” na antiética duvidosa do “jeitinho”.

Descaminhos são opções dos que perderam o senso de que sem raízes profundas os frutos (se vierem) serão condenados à irrelevância.
Descaminhos são síndromes de Geazi: gente que, em nome das riquezas, engana e mente, esquecendo-se que Deus julga motivações do coração.

Quais são os principais descaminhos que a Assembleia de Deus deve evitar no perigoso pós-centenário?

I - A perda da identidade: o descaminho da demonização (Lc. 8. 30, 38, 39)

Uma coisa tem me preocupado sobremaneira como assembleiano: a Assembleia de Deus tem se transformado numa assembleia de deuses.
A enfermidade dos títulos, a paranoia das honras, tem assaltado corações. A ditadura da hereditariedade tem engessado alguns campos eclesiásticos, e a tendência é essa quimera crescer...
No texto de Lucas 8, há duas poderosas lições:
a) No versículo 30, Jesus pergunta o nome dos demônios que possuíam o Gadareno, contudo, não respondem com um nome, mas com uma função: legião, um destacamento do exército romano. Uma vocação militar. Um serviço.

Rubem Alves desenvolve uma ideia muito interessante: o diabo odeia o próprio nome. Na cultura judaica, o nome evoca as essências, os começos. Para o diabo, pensar em seu próprio nome é relembrar suas origens e consequente queda, portanto, ele odeia o nome. Por isso não responde com um nome, mas com uma função! Esconde-se atrás dos títulos. Na Bíblia, seu nome é sempre dito por terceiros, nunca por ele mesmo. Essa lição sinaliza um grave perigo: o de nos escondermos atrás de vocações. Se minha credencial valer mais do que minha identidade, abro um processo de demonização às vezes irreversível!

b) Nos versículos 38 e 39, o Gadareno, já liberto, implora a Jesus que o deixe segui-lo. Jesus recusa-se terminantemente. Jesus estava libertando-o completamente. É como se Jesus dissesse: “Não vou possuí-lo. Não vou trocar de lugar com os demônios. Vou libertá-lo para a intimidade dos seus”. A grande lição aqui é a que precisa ser redescoberta com urgência: não possuímos ninguém. O pastor não possui as ovelhas, ele as protege!

II - A tentação da mistura: o descaminho das contradições (Mc. 10. 17-23)
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A Assembleia de Deus – aos cem anos – resolveu imitar o adolescente movimento neopentecostal. Estamos abraçando mediocridades: atos “proféticos”, quando deveríamos abraçar Atos dos apóstolos! Cantando mantrazinhos gospel de quinta categoria, quando temos em nossa história “os mais belos hinos e poesias” escritos na senda da “rude cruz”. Percebo uma Assembleia de Deus semelhante a um velho cansado encantado com o brinquedo tecnológico do neto.

O texto de Marcos 10, o “jovem rico", aponta para o perigoso descaminho da mistura: ele vai até Jesus com uma teologia pronta. Costumo brincar dizendo que o jovem rico era neopentecostal: religião demais, piedade de menos! “Bom Mestre”: a opção enganosa de seguir a Jesus pelos motivos errados: mestre ao invés de Senhor!
Esse jovem chegou até Jesus carregado de teologia pronta, e saiu de perto de Jesus com o peso de suas riquezas. A palavra aramaica para “riquezas” é Mamóm, que vem da mesma raiz da palavra amém! O dinheiro tem dito o “amém” na vida de muita gente nessa centenária igreja.

III - A doença do sucesso: o descaminho da falsa glória (Dn. 4. 29-34)

O sucesso é a droga mais consumida do século XXI. É o elixir dos delírios que faz brilhar os olhos dos pregadores adeptos da homilética do bombardeio. Sua composição básica é feita com as toxinas que inflam o ego. A Assembleia de Deus, que antes era a igreja do povo simples, está cada dia que passa, transformando-se numa igreja do sucesso, numa vitrine eclesiástica das celebridades instantâneas.

É a síndrome de Nabucodonosor, do texto de Daniel 4: a falsa glória. O excelso que desrespeita o efêmero. Quando a criação passa a ser adorada ao invés do Criador alimenta-se de doses monstruosas de falsa glória, entrando no caminho sem volta da overdose de glamour, caindo na tentação de viver num mundo sem Deus e numa igreja sem dono.

A Assembleia de Deus tem muito o que celebrar, mas tem muito mais a refletir. Afinal, os próximos cem anos, se o Senhor assim permitir, estão só começando. Como diz o slogan das comemorações: “pelos séculos dos séculos”.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Estou cansado!


Cansei! Entendo que o mundo evangélico não admite que confesse o meu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina que Deus restaura as forças do que não tem nenhum vigor. Também estou informado de que Jesus dá alívio para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos que se escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu me acho exausto.

Não, não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado pelo que faço; amo o meu Deus, bem como minha família e amigos. Permaneço esperançoso. Minha fadiga nasce de outras fontes.

Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de Deus. Já não aguento mais que se usem versículos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam as igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda enganosa.

Cansei com os programas de rádio e tv em que os pastores não anunciam mais os conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes de suas próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de oração; todas visando exclusivamente encher os seus templos. Considero os amuletos evangélicos horríveis. Cansei de ter de explicar que há uma diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices supersticiosas.

Canso com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não agüento mais cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o Brasil e o mundo.

Canso com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram há séculos. Presos às molduras de suas escolas teológicas, não conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.

Canso com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios pentecostais sobre os dons espirituais.

Cansei de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que provocam que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em seus países de origem.

Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo. Recebo todos os dias várias mensagens eletrônicas de gente me perguntando se pode beber vinho, usar “piercing”, fazer tatuagem, se tratar com acupuntura etc., etc. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso com essa mentalidade pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe um exercício religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas. Canso com gente que precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não consegue caminhar com princípios. Acho intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma existência sob o domínio da lei e não do amor.

Canso com os livros evangélicos traduzidos para o português. Não tanto pelas traduções mal feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do basebol, que nada têm a ver com a nossa realidade. Canso com os pacotes prontos e com o pragmatismo. Já não agüento mais livros com dez leis ou vinte e um passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma igreja tão vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do norte, onde a abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da complacência entre os crentes. Cansei de ter de opinar se concordo ou não com um novo modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo adotado no Brasil.

Canso de explicar que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem para enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações todas as vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos pastores que vivem dignamente.

Canso com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei com as vaidades acadêmicas e com os mestrados e doutorados que apenas enriquecem os currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se auto-intitulou apóstolo.

Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.

Por isso, opto por não participar de uma máquina religiosa que fabrica ícones. Não brigarei pelos primeiros lugares nas festas solenes patrocinadas por gente importante. Jamais oferecerei meu nome para compor a lista dos preletores de qualquer conferência. Abro mão de querer adornar meu nome com títulos de qualquer espécie. Não desejo ganhar aplausos de auditórios famosos.

Buscarei o convívio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeições com os amigos mais queridos. Meu refúgio será ao lado de pessoas simples, pois quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida. Lerei mais poesia para entender a alma humana, mais romances para continuar sonhando e muita boa música para tornar a vida mais bonita. Desejo meditar outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio, agradecer a Deus por sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e a ler as Escrituras como uma carta de amor de meu Pai.

Pode ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso, convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há tempo de salvar a nossa.


Por Ricardo Gondim

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Isso tem que acabar!


Não sou saudosista. Mas devo admitir que foi-se o tempo em que o púlpito não era palco nem palanque, e a congregação não era platéia, nem tampouco o pastor era considerado um showman. Foi-se o tempo em que cantores que se dedicavam a louvar a Deus não tinham fã clube, e nem sabiam o que significa tietagem após sua apresentação. Mesmo porque, não havia performance, e sim, culto. Todos os holofotes eram voltados para Cristo. E os únicos aplausos que esperava ouvir vinham dos céus.

O sonho de conquistar o mundo para Cristo foi substituído pelo sonho de tornar-se num mega-star gospel.

O dinheiro antes investido para enviar missionários ao campo, agora é usado para pagar vultuosos cachês a estas estrelas, que além disso, ainda exigem regalias, tais como, hotel cinco estrelas, carro de luxo com chofer, comidas requintadas (eu disse, requintadas, não requentadas!), etc.

Mas tudo isso está prestes a acabar. O mercado gospel está ficando saturado. Ninguém suporta mais patrocinar os projetos megalomaníacos dessas estrelas.

Cada vez mais, os cristãos estão se conscientizando de que seu papel não é o de manter esta indústria religiosa, que se apresenta como ministérios, e sim, de trabalhar pela transformação do mundo.

Chega de fogueiras santas! Chega de fogueiras de vaidade!

Chega de estratégias evangelísticas mirabulantes. Que o importante seja o que é certo, e não o que certo.

Chega de busca por títulos e fama. Que se busque servir em vez de ser servido.

Voltemos ao velho e bom Evangelho, sem invencionices. Voltemos ao discipulado, sem a pressão pela multiplicação. Deixemos que Ele acrescente em número, enquanto nós focamos a qualidade de nossa vivência cristã.

E que os milagres aconteçam em ambientes domésticos e seculares, no dia-a-dia, e não à granel, no atacado, como tem sido anunciado nos programas neo-pentecostais.

Está chegando o tempo em que o Evangelho será espalhado por toda a Terra, não através de eventos extraordinários, marchas, cruzadas, mas através de gente anônima, ilustres desconhecidos, que ofuscarão o brilho daqueles que se acham indispensáveis na expansão do Reino de Deus, e isso, sem chamar a atenção para si.

Viva o novo tempo!
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Por Hermes Fernandes

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