quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Tudo isso me incomoda


Taí um texto que gostaria de ter escrito. Essa doce inspiração veio de nosso caro Ricardo Mamedes, adaptado com outro título.
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Algo me incomoda muito nas igrejas evangélicas. E me incomoda em particular na minha igreja, a qual congrego. É certamente difícil falar sobre o assunto, pois alguns membros dessa minha igreja leem este blog. O que fazer? Paciência...

Gosto de primar pela verdade sem subterfúgios, sem meias palavras. É bom explicitar que o que direi não revela qualquer crítica aos pentecostais de qualquer denominação, mesmo porque essa diferenciação entre pentecostais e tradicionais se não é inexistente está bem tênue. Por exemplo, sou batista tradicional, porém, a igreja em que congrego é muito mais pentecostal do que muitas pentecostais hoje tidas como históricas, a exemplo da Assembléia de Deus. Isso é bom? Não sei. Só penso que não é muito ético querer desmontar as bases de uma denominação centenária, implodindo-a, a fim de impor uma nova liturgia. Mais fácil seria mudar de denominação e tanto mais ético, uma vez que gozamos de plena liberdade de escolha nesse sentido.

Todavia, ainda não entrei no assunto que aqui me traz. 'Voilá'! Afiem as espadas tantos quantos queiram debater (brincadeira)! Incomodam-me certas atitudes, alguns costumes inseridos na igreja a pretexto da busca de uma espiritualidade "diferenciada", uma espiritualidade "real", sinônimo do "verdadeiro" sobrenatural de Deus. Essa tal espiritualidade é evidenciada e materializada por poucos dentro da igreja, mas facilmente verificável pela altissonante maneira com que dão "glórias a Deus" e "aleluias". Não que eu tenha qualquer tipo de preconceito contra essas manifestações. É que o incômodo se manifesta quando observo que são sempre "os mesmos". Nesse momento tais atitudes podem levar-me a pecar, uma vez que no meu íntimo não consigo apreender qualquer autenticidade nas tais manifestações...

Incomoda porque é algo como uma "ave maria" rezada ou recitada por católicos: não transmite verdade. Incomoda mais ainda quando observo que, além de ser sempre os mesmos, as mesmas figurinhas carimbadas, são também os que vendem uma grande espiritualidade para os irmãos. Os mesmos que vão aos "montes" para "interceder", materializando uma verdadeira proximidade física com o Criador, a exemplo daqueles que inauguraram a "babel". O meu medo é que Deus imploda as suas "torres"...

Esses irmãos "ungidos" - eles querem ser vistos assim - desfilam pela igreja como se fossem seres semi-celestiais. Quando se assenhoreiam do microfone e postam-se no púlpito, como que sofrem uma transfiguração: assumem um novo brilho, uma nova tonalidade de voz, até certos "sotaques" diferenciados. Em suma, ficam mesmo irreconhecíveis.

Incomoda, ah como isso incomoda...

Normalmente os tais ungidos são também aqueles mesmos que abraçam todas as novidades "doutrinárias", especialmente se com "tonalidades" neopentecostais. Buscam novos "sinais e prodígios", mas pouco sabem da Palavra inerrante. Necessitam da emoção, do arrepio, do êxtase, sob pena de não se reconhecerem como "movidos pelo espírito". Consideram-se muito mais espirituais do que aqueles que apenas reconhecem no Criador o Todo-Poderoso, o Senhor de suas vidas, o motivo das suas miseráveis existências, pois "estes tais" são apenas "crentes racionais", frios.

Tudo isso incomoda, confesso...

São esses mesmos que escancaram as portas das igrejas e denominações (mesmo históricas) para as "novidades": atos proféticos, evangelhos da autoajuda, autoestima, triunfalismo, prosperidade, etc. E eles nunca aprendem, ainda quando vivem o erro que se torna manifesto; ainda quando as suas condutas pretéritas se transformam em nada no futuro. Mesmo quando o "profeta" é desmascarado eles ainda querem o "mover", buscando esse "avivamento" insaciável, porque a Palavra já não mais lhes basta. A Espada da Verdade não causa arrepios, tremores, rugidos, sons ininteligíveis.

A busca é mesmo incessante, já é preciso ver, ao invés de sentir somente. Necessitam "materializar" a fé em "óleos" para ungir, como se Deus estivesse naquela substância; querem a luta dualista com satanás e seus demônios, lutando nessa guerra titânica, onde são plenamente "observados" pelos irmãos e reconhecidos como uma quase "casta" superior.
Incomoda, sim, incomoda...

Tenho falado com a minha esposa que chegará o dia, infelizmente, em que será difícil congregar em uma igreja realmente comprometida com a Verdade bíblica. Uma igreja que, para buscar os dons, não tenha que se conspurcar com a mentira ; uma igreja em que a pregação do Evangelho de Cristo seja a centralidade e não o marginal, seja a essência e não o complemento.
O que me consola e ainda me sustenta é saber que a Igreja de Cristo, a invisível, está além das paredes, está em cada coração tocado pela graça irresistível, em cada vida transformada, em cada atitude de veneração autêntica; sem mostras, sem palavreados patéticos, sem fleumas no púlpito, sem o culto da aparência para receber o brilho dos holofotes.

Essa Igreja invisível, Corpo de Cristo, não me incomoda, mas, ao contrário, me alimenta com alimento sólido e substancial.

A todos aqueles que fazem parte deste Corpo, desta Igreja, recebam o meu abraço, sintam-se irmanados e em verdadeira comunhão naquEle que nos salvou!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Deus depois do Haiti: a pedagogia do bagaço


A teologia depois do Haiti precisa mudar! Não podemos mais enxergar Deus cuspindo ódio soberano sobre humanos indefesos num encontro mortal de placas tectônicas, mas sim, enxergá-lo em cada debilitado que vence assombrosamente o tempo e sai, com vida, dos escombros. Precisamos ver Deus na vida, não no desespero teológico, fantasmagórico, das milhares de mortes. Não precisamos que pessoas morram para que nossa teologia se fortaleça. Se nossa teologia se legitima na desgraça dos outros, não é teologia, é sadismo.

É preciso destruir a teologia da confusão. Confundir a justiça de Deus com vinganças rasteiras de seres "humanos" mesquinhos em seu fundamentalismo alienante é subestimar o caráter de Deus. Confundir o desastre haitiano com "julgamento" divino por causa da religiosidade (leia-se expressão religiosa) é abortar o amor - e com isso - o próprio ser de Deus, pois a Bíblia afirma que "Deus é amor" (I Jo. 4. 8). Con-fundir Deus com a teologia da igreja é o cúmulo da pretensão. É a ignorância institucional.

Nossa teologia não define Deus: define o que pensamos (e queremos desesperadamente que seja verdade) sobre Deus. Uma teologia burocratizada e neurotizante tenta esboçar um Deus "amoroso" apenas enquanto andamos sob suas rédeas. Aliás, rédeas que a própria igreja (sempre a instituição) faz questão de inventar e fornecer. Daí vem nossa monstruosa incapacidade para lidar com quem falha, erra, fracassa, perde, peca, pisa na bola; com os hereges, os oprimidos, os desajustados, os falsos, os impostores. Fica absurdamente difícil colocar no mesmo abraço o Deus da teologia sufocante da igreja com a liberdade intrigante dos homens. O Éden ainda é um passeio distante. É nosso insistente problema com a graça.

Depois do Haiti, Deus não pode mais ser teologizado na masmorra da verborragia. Ou Deus é encarnado nas fúrias da vida, ou não é Deus (pelo menos, não é o bíblico). Não podemos mais nos satisfazer em pregar sermões belíssimos de uma oratória sem desdobramentos práticos, nos púlpitos confortáveis de nossas catedrais. É preciso sujar os pés nos escombros da história. Já não se trata de teologia, mas de pedagogia! É aprender de Deus, com os filhos de Deus, no mundo de Deus.

É preciso olhar por uma outra teologia: talvez uma ecoteologia. É a luta pela preservação do meio ambiente (luta que o "mundo" já faz). É a prevenção das tragédias. A minimização do que, às vezes, é inevitável. É enxergar Deus não apenas evitando o inevitável, em suas demonstrações abusivas de poder, mas ajudando-nos no esforço humano das re-construções, demonstrando seu amor. Ecoteologia é o não-desperdício da água e dos outros recursos naturais. É a denúncia furiosa do consumismo e do materialismo. A denúncia da corrupção. Da maldição do plástico nos rios e mares.

Que fique sob os escombros do Haiti todas as (des)construções teológicas de um Deus tirano, cruel, vingativo, mesquinho e burocrata. Que fique sob os escombros do Haiti toda a hipocrisia dos que se dizem cristãos mas não querem ter o coração do Cristo. Que fique no passado aquela teologia maldosa (via Pat Robertson) que descaracteriza o rosto belo de Deus, aquele que Zilda Arns mostrou tão bem.

O futuro é agora.

Até mais...


Por Alan Brizotti

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