terça-feira, 30 de junho de 2015

As tocantes verdades da flor (Parte 4)


A expiação limitada
Muitos arminianos tentam se livrar da doutrina da eleição incondicional, afirmando a eleição condicional. Eles dizem que a eleição é uma realidade bíblica, mas que está condicionada à previsão da fé. Trocando em miúdos: Deus elegeu sim, mas ele fez isso porque previu de antemão a fé de alguns. Essa ideia tenta buscar fundamentos na expressão “os que de antemão conheceu”, presente em Romanos 8.29. Essa frase, porém, não significa “aqueles em quem Deus anteviu a fé”, mas sim “aqueles a quem Deus decidiu de antemão mostrar seu favor” (veja o mesmo sentido em Rm 11.2). Note ainda que, de acordo com 1Pedro 1.20, conhecer de antemão não é somente saber o que vai acontecer, mas sim saber o que foi decretado que vai acontecer.
Outro texto que os arminianos usam na defesa da eleição condicional é 1Pedro 1.2 que diz que os crentes foram eleitos “segundo a presciência de Deus”. Contudo, a preposição grega usada nesse versículo (katá) não permite o entendimento de que as pessoas foram eleitas por causa da presciência de Deus, mas sim que Deus, de conformidade com sua presciência, sabia desde o início a quem iria salvar.
Tudo isso realça o antigo princípio paulino de que a eleição teve como causa “aquele que chama” (Rm 9.11) e não aqueles que são chamados, destacando fortemente que o decreto eletivo do Senhor se fundamentou unicamente no “beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5,11) e não em virtudes que porventura tenha antevisto em alguns. Isso também destaca a gratuidade completa da eleição, pois mostra que ela não foi uma retribuição pelo bem que Deus supostamente viu de antemão no eleito (o que ele, de fato, anteviu no eleito foi somente pecado e morte) e sim um ato de graça pura, verdadeiro favor imerecido.
A verdade da eleição incondicional conduz forçosamente à terceira “pétala” da Tulipa: a expiação limitada. A pergunta central ligada a esse ponto é a seguinte: Se Deus tem seus eleitos, por quem então Cristo morreu? A resposta rápida e certeira é: Pelos eleitos, é claro! No entanto, mesmo sendo isso tão óbvio, a terceira verdade da flor é a que mais tem causado divisões e conflitos até mesmo entre os teólogos reformados. Entre estes há muitos que afirmam a expiação ilimitada, posição também conhecida como universalismo hipotético. De acordo com essa concepção, Cristo morreu em benefício e em lugar de todos os indivíduos, mas sua morte só tem eficácia para os eleitos.
Os universalistas hipotéticos (ou calvinistas de quatro pontos) ensinam que Deus decretou que a expiação de Cristo fosse feita em favor de cada ser humano independente de crerem ou não, mas visto que ninguém tinha capacidade de crer (depravação total), Deus escolheu aqueles que iria salvar (eleição incondicional). Assim, a expiação permanece eficiente e suficiente para todos, mas eficaz somente para os eleitos.
O universalismo hipotético ganhou destaque graças ao trabalho de Moisés Amyraut (1596-1664), da Academia de Saumur, na França. Por isso, essa posição teológica é também chamada de amiraldismo ou amiraldianismo.
Ainda que pareça atraente à primeira vista, o calvinismo de quatro pontos esbarra em diversos problemas. Em primeiro lugar, o próprio Jesus disse que daria a sua vida “pelas ovelhas” (Jo 10.11,15). Disse ainda que muitas dessas ovelhas por quem ele morreria estavam espalhadas fora do aprisco de Israel, mas que elas afinal creriam nele e ele as agregaria (Jo 10.16). Depois, voltou-se para os judeus que o afrontavam e disse: “Vós não sois das minhas ovelhas”, excluindo-os desse grupo por quem ele morreria e um dia chamaria para si (Jo 10.26).
Jesus também disse que daria a sua vida em resgate de muitos (Mc 10.45) e, ao instituir a Ceia, repetiu essa verdade, declarando que o sangue da Nova Aliança seria derramado em favor de muitos, limitando o alvo de sua obra (Mt 26.28).
João, em seu evangelho, ao fazer alusão ao objetivo da morte de Cristo, disse que ele morreria para reunir “os filhos de Deus que andam dispersos” (Jo 11.51,52), ou seja, pelo bem de um grupo específico que estava espalhado pelo mundo e que ainda não tinha sido alcançado (Tt 2.14).
Paulo, por sua vez, quando falou aos presbíteros de Éfeso, disse que o sangue de Cristo serviu para comprar a igreja (At 20.28). Quando mais tarde escreveu à mesma igreja de Éfeso, o apóstolo realçou novamente que Cristo se entregou pela igreja (Ef 5.25). O Apocalipse aponta na mesma direção, dizendo que por sua morte Cristo não comprou todo mundo, mas sim certas pessoas espalhadas pelo mundo todo (Ap 5.9).
Outra questão que deve ser levada em conta é que a morte de Cristo teve um efeito retroativo, beneficiando pessoas do AT, ou seja, indivíduos que já haviam morrido, como Abraão, Moisés e Davi, por exemplo (Rm 3.25; Hb 9.15). Assim, se Cristo morreu por cada ser humano, então ele morreu inclusive por pessoas do AT que já estavam no inferno — gente como Faraó, Jezabel e os inimigos de Daniel. Ora, que sentido haveria em Cristo dar a sua vida pelos pecados de pessoas irremediavelmente perdidas? Morrer pagando pela redenção do profeta Isaías faz sentido, mas morrer em favor dos homens de Sodoma teria algum propósito?
A doutrina da expiação limitada também tem que lidar com certas dificuldades oriundas de algumas passagens bíblicas. Por isso, no próximo artigo, vamos dedicar umas poucas linhas para resolver essas questões.
(Continua)

Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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