sexta-feira, 26 de junho de 2015

As tocantes verdades da flor (Parte 2)

A Depravação Total

Os teólogos dizem que as cinco verdades da Tulipa alistadas no artigo anterior estão interligadas, de forma que a segunda decorre da primeira; a terceira, da segunda; e assim por diante. Eles estão certos. De fato, os cinco pontos fixados em Dort compõem um sistema unificado e interdependente. Se um ponto for aceito, será muito difícil se livrar dos demais.

É por isso que os oponentes da Tulipa fazem de tudo para desacreditar o primeiro ponto de Dort, a depravação total. De acordo com esse ponto, o pecado afetou a totalidade da natureza humana, cada aspecto dela, não havendo nada que o homem, de si mesmo, consiga fazer para obter o favor divino. Calvino disse que “todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, indispostos a qualquer bem salvífico, com propensão para o mal, mortos no pecado e escravos da iniquidade; e sem a graça regeneradora do Espírito Santo, eles não querem nem são capazes de se voltar para Deus, de corrigir sua natureza depravada ou mesmo de se disporem a isso”.

A base bíblica para essa doutrina é ampla: Gênesis 6.5; Salmo 51.5; Jeremias 17.9; João 8.43; 15.4–5; Romanos 3.10-18; 1 Coríntios 1.18; 2.14; 12.3; 2 Coríntios 3.14-16; Efésios 2.1-3; 4.17-18, etc. É por causa desse grau de depravação que o homem depende da iniciativa de Deus para ser salvo (Mt 11.27; Jo 1.13; 6.37,44,65; At 16.14).

Conforme dito, os que se insurgem contra a soteriologia reformada sabem que, se a doutrina da depravação total for acolhida, todo o sistema também terá de ser aceito. Por outro lado, se esse ponto for destruído, todo o edifício da soteriologia reformada ruirá.

No meio evangélico, os maiores inimigos da Tulipa são chamados arminianos, uma designação que vem de Jacobus Arminius, teólogo que se insurgiu contra alguns elementos da doutrina ensinada pela igreja reformada da Holanda. No Brasil, o arminianismo não reflete com precisão as ideias de Arminius. Na verdade, a maior parte dos arminianos que conhecemos se define assim somente porque não se simpatiza com a doutrina bíblica da eleição. A maioria deles nunca leu nada sobre Armínius, nem jamais compreendeu a totalidade da sua doutrina. O que fazem é apenas adotar o título “arminiano” de forma intuitiva, como se fosse uma palavra que significa “alguém que não acredita na predestinação”.

Isso torna o arminianismo brasileiro uma espécie de pelagianismo (doutrina que prega a salvação à parte da ação graciosa de Deus), mesclado com ideias liberais (como a negação da inerrância bíblica, especialmente nas partes em que a Escritura fala do controle absoluto de Deus sobre todas as coisas), marcado por extremado humanismo (a vontade humana é livre e soberana, capaz de gerar fé salvífica) e por um conceito reducionista de Deus (Deus abriu mão de sua soberania por “respeito” ao homem. Muitos arminianos dizem que Deus também abriu mão de sua presciência!).

Se Armínius soubesse o que hoje pregam em nome dele, certamente se reviraria em seu túmulo. Tendo formação calvinista, Armínius rejeitava frontalmente o pelagianismo pregado hoje em dia sob a capa do seu nome. Prova disso é que ele aceitava a primeira verdade da Tulipa, a depravação total. Ele cria, assim, que o ser humano, em si mesmo, é alguém totalmente destituído de qualquer capacidade de buscar a Deus. Ele escreveu em sua Declaração de sentimentos:

“Em seu estado pecaminoso e caído, o homem não é capaz, de e por si mesmo, quer seja pensar, querer ou fazer o que é, de fato, bom; mas é necessário que seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições ou vontade e em todas as suas atribuições, por Deus, em Cristo, através do Espírito Santo, para que seja capaz de corretamente compreender, estimar, considerar, desejar e realizar o que quer que seja verdadeiramente bom”.

O problema de Armínius estava na solução que dava para esse problema. Ele criou o conceito da “graça preveniente” pela qual todo ser humano tem seu livre arbítrio restaurado, podendo então aceitar a Cristo por decisão própria, sem a necessidade da graça especial irresistível (quarto ponto da Tulipa). É impossível achar na Bíblia esse conceito de “graça preveniente” ou “graça capacitadora” dada a todo ser humano. Aliás, na Bíblia se encontra exatamente o oposto disso, ou seja, Deus endurecendo ainda mais o coração de muitas pessoas para que não creiam (Êx 9.12; Is 6.10; 63.17; Rm 9.18; 11.7 e 2 Ts 2.11).

Bom, em termos práticos quais são os efeitos de se aceitar ou não a doutrina da depravação total? Pessoalmente, eu acredito que isso cause impacto no campo da devoção pessoal, no campo da realização ministerial e no campo da liturgia. Eu explico: no campo da devoção pessoal, o crente que entende a doutrina da depravação total se torna mais humilde e grato por sua salvação, entendendo melhor o quanto Deus foi gracioso com ele. Ele será incapaz de se orgulhar por ter “aceitado a Cristo”, sabendo que era incapaz de qualquer coisa e que, se um dia creu, isso foi graças ao grande poder e graça do Salvador.

No campo da realização ministerial, o ministro terá descanso. Ele saberá que as conversões não dependem de sua retórica ou talento e, por isso, não cansará as pessoas com apelos infindáveis para que “tomem uma decisão”. Também não se orgulhará quando conduzir pessoas a Cristo. Antes, saberá que todos os frutos que vê em seu ministério são obra de Deus e que, considerando a depravação do homem, ninguém daria atenção às suas pregações se o Senhor não atuasse de modo poderoso nos ouvintes.

Finalmente, no campo litúrgico, a igreja que entender a doutrina da depravação total não investirá em projetos de “multiplicação” adotando estratégias de marketing barato (festas, diversão, atrações artísticas) para “conquistar almas”, fazendo de tudo para convencê-las a usar o “livre-arbítrio” e crer. Antes, dará mais valor à pregação e à súplica, sabendo que só pelo poder de Deus a dureza humana pode ser rompida.

(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria

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