A eleição incondicional
Conforme dito anteriormente, as cinco verdades da Tulipa estão interligadas de forma que, se você rejeitar a primeira, terá de rejeitar a segunda e assim por diante. Pois bem, até o século 18, seria muito difícil encontrar um protestante que negasse o primeiro ponto da fé reformada, ou seja, a depravação total. Todos os reformadores tinham ensinado que o pecado havia afetado gravemente cada faculdade humana e os crentes viam isso claramente nas Escrituras. Consequentemente, a grande maioria dos crentes desde a época da Reforma (século 16) também aceitava a eleição incondicional, pois, se o homem era incapaz de se mover na direção de Deus, então a única saída era Deus tomar a iniciativa e se mover na direção do homem, quebrando seu coração endurecido. Por que Deus fazia isso somente com alguns e não com todos? A resposta estava mais uma vez na Bíblia: Deus tinha seus eleitos!
Ocorreu, porém, que os avanços científicos e tecnológicos dos séculos 18 e 19 criaram um ambiente intensamente otimista em relação ao homem e também fortemente cético em relação aos dogmas da Bíblia. Nesse contexto, várias doutrinas consagradas da fé cristã foram negadas inclusive por pastores e teólogos (os chamados teólogos liberais). Entre essas, uma que foi totalmente repudiada foi a doutrina do pecado original que destacava a realidade da depravação total. Rejeitando essa doutrina, as igrejas passaram a ver o pecador como alguém capaz de tudo, até de, por si mesmo, produzir a fé salvífica no próprio coração, bastando apenas que decidisse fazê-lo. É claro que, rejeitando a depravação total, os crentes, a partir de então, rejeitaram também a doutrina da eleição, ou a reinterpretaram de forma que preservassem seu conceito positivo do homem.
A partir daí, muitas pessoas viram nas ideias de Armínio uma opção atraente. Seu conceito de um livre-arbítrio resgatado pela “graça preveniente” e suas ideias de uma eleição baseada naquilo que Deus antevê no homem se encaixavam melhor dentro do ambiente humanista que passou a reinar.
É por causa de todo esse processo iniciado no século 18 — um processo racionalista/humanista — que grande parte das igrejas evangélicas de hoje é liberal ou arminiana. Aliás, muitos liberais são também arminianos (são os arminianos da mente, em contraste com os arminianos do coração), dizendo que o homem tem as faculdades livres (ênfase arminiana) e negando a depravação total como uma ideia decorrente do “mito” da Queda (ênfase liberal).
Conforme já foi destacado, sem a doutrina da depravação total, a verdade da eleição incondicional cai por terra. No modelo arminiano, o homem, tendo as faculdades livres dos efeitos do pecado pela ação da “graça preveniente”, é capaz de ele próprio eleger Deus. No fim das contas, a eleição deixa de ser um ato divino em favor do homem e passa a ser um ato humano em favor de Deus! Sem a doutrina da depravação total nasce a doutrina da inversão total!
A verdade, porém, é que não existe nenhuma graça preveniente livrando todas as pessoas das limitações impostas pelo pecado, como Armínio acreditava. O coração humano permanece corrupto e está morto para as coisas de Deus, sendo incapaz de buscá-lo, amá-lo ou desejá-lo. Para que isso mude, é necessária a ação sobrenatural da graça de Deus. E essa graça não atua sobre todos como pensam os arminianos. Atua somente nos eleitos. Estes foram escolhidos sem que Deus visse neles mérito algum (por isso, a eleição é chamada “incondicional”), tudo com base apenas na “determinação e graça” (2Tm 1.9) “daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
Essa doutrina tem um vasto fundamento bíblico. Jesus afirmou que tinha um povo disperso que lhe pertencia e que ele reuniria esse povo chamando cada integrante dele pelo nome (Mt 24.31; Jo 10.3,16; Jo 11.51,52). Ele disse ainda que esses escolhidos eram poucos (Mt 22.14), mas que eles seriam preservados e protegidos do engano (Mt 24.22,24) e que Deus um dia faria justiça a eles (Lc 18.7).
O livro de Atos também fala sobre os eleitos dizendo que Deus tinha pessoas que lhe pertenciam nas cidades gentílicas e que essas pessoas ouviriam a pregação dos apóstolos (At 18.9,10). Em Atos, é dito ainda que os que criam no evangelho eram pessoas que tinham sido destinadas para a vida eterna (At 13.48).
Paulo é quem mais escreve sobre a doutrina da eleição (Rm 8.29,30; Ef 1.4,5,11), dizendo que essa doutrina realça a soberania de um Deus que tem autoridade de fazer o que quiser com quem quiser (Rm 9.14-18), não tendo o homem o direito de questionar suas ações (Rm 9.19-21). Paulo diz ainda que é graças à eleição que Deus preserva um remanescente fiel a ele (Rm 11.1-5) e que esses escolhidos não podem ser alvos de nenhuma acusação (Rm 8.33). Segundo o apóstolo, a fé salvadora pertence somente aos eleitos (1Ts 1.4-6; Tt 1.1), sendo certo que Deus incluiu no número de escolhidos muitas pessoas simples a fim de humilhar a ilusória grandeza do mundo e ninguém se gloriar diante dele (1Co 1.27-29. Ver tb. Tg 2.5).
Todas essas evidências tornam inegável a eleição de Deus — e os crentes não devem se insurgir contra ela, como faz a corrompida igreja atual. Em vez disso, o cristão deve se curvar em gratidão, sabendo que foi salvo não por ter percepções espirituais melhores, mas porque Deus, sem ver nele atrativo algum, o escolheu soberanamente.
(Continua)
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria
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