quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ensaio sobre livre-arbítrio


Mas o ponto importante é que a história emociona porque contém um elemento muito forte de vontade, daquilo que a teologia chama de livre-arbítrio. Você não pode concluir uma soma do jeito que prefere; mas uma história sim. Quando alguém descobriu o Cálculo Diferencial, havia apenas um Cálculo Diferencial a descobrir. Mas quando Shakespeare matou Romeu, ele poderia tê-lo casado com a velha babá de Julieta, se ele se sentisse inclinado a fazê-lo. E a cristandade sobressaiu-se na narrativa romanesca exatamente porque insistiu no livre-arbítrio teológico.
Esse é um assunto vasto que pende demais para um lado da estrada para discuti-lo adequadamente aqui; mas trata-se da verdadeira objeção àquela torrente de conversa moderna acerca do crime como uma doença, sobre transformar a prisão num mero ambiente higiênico como um hospital, sobre curar o pecado por meio de lentos métodos científicos. A falácia de todo esse caso é que o mal é uma questão de escolha ativa, ao passo que a doença não é.

Se você diz que vai curar um devasso como se cura um asmático, minha resposta fácil e óbvia é esta: “Apresente as pessoas que querem ser asmáticas uma vez que muitas querem ser devassas”. Um homem pode ficar deitado inerte e curar-se de uma enfermidade. Mas ele não pode ficar deitado inerte se quiser curar-se de um pecado. Pelo contrário, ele precisa levantar-se e correr por aí feito louco.

A questão toda de fato está expressa à perfeição na própria palavra usada para quem está hospitalizado: “paciente” tem um sentido passivo; “pecador” tem um sentido ativo.
Se um homem quiser se salvar de uma gripe, ele pode ser paciente. Mas se quiser se salvar de uma falcatrua, ele não pode ser paciente, tem de ser impaciente. Ele deve sentir-se impaciente com a falcatrua. Toda reforma moral começa na vontade ativa, não na passiva.

.
Extraído do livro "Ortodoxia"
G. K. Chesterton

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails