Sou um professor de Teologia em crise. Não com minha fé ou com minhas convicções, mas com a dificuldade que eu e outros colegas enfrentamos nos últimos anos diante dos novos seminaristas enviados para as faculdades de teologia evangélica. Tenho trabalhado como Professor em Seminários Evangélicos presbiterianos, batistas, da Assembléia de Deus e interdenominacionai s desde 1991 e, tristemente, observo que nunca houve safras tão fracas de vocacionados como nos últimos três anos.
No início de meu ministério docente, recordo-me que os alunos chegavam aos seminários bastante preparados biblicamente, com uma visão teológica razoavelmente ampla, com conhecimentos mínimos de história do cristianismo e com uma sede intelectual muito grande por penetrar no fascinante mundo da teologia cristã. Ultimamente, porém, aqueles que se matriculam em Seminários refletem a pobreza e mediocridade teológica que tomaram conta de nossas igrejas evangélicas.
Sempre pergunto aos calouros a respeito de suas convicções em relação ao chamado e à vocação. Pois outro dia, um calouro saiu-se com a brilhante resposta: "não passei em nenhum vestibular e comecei a sentir que Deus impedira meu acesso à universidade a fim de que eu me dedicasse ao ministério". Trata-se do mais típico caso de "certeza da vocação" adquirida na ignorância.
E, invariavelmente, esses são os alunos que mais transpiram preguiça intelectual.
A grande maioria dos novos vocacionados chega aos Seminários influenciada pelos modismos que grassam no mundo evangélico. Alguns se autodenominam "levitas". Outros, dizem que estão ali porque são vocacionados a serem "apóstolos".
Ultimamente qualquer pessoa que canta ou toca algum instrumento na igreja, se auto-denomina "levita". Tento fazê-los compreender que os levitas, na antiga aliança, não apenas cantavam e tocavam instrumentos no Templo, como também cuidavam da higiene e limpeza do altar dos sacrifícios (afinal, muito sangue era derramado várias vezes por dia), além de constituírem até mesmo uma espécie de "força policial" para manter a ordem nas celebrações. Porém, hoje em dia, para os "novos levitas" basta saber tocar três acordes e fazer algumas coreografias aeróbicas durante o louvor para se sentirem com autoridade até mesmo para mudar a ordem dos cultos.
Outros há, que se auto-intitulam "apóstolos". Dentro de alguns dias teremos também "anjos", "arcanjos", "querubins" e "serafins". No dia em que inventarem o ministério de "semi-deus" já não precisaremos mais sequer da Bíblia.
Nunca pensei que fosse escrever isso, pois as pessoas que me conhecem geralmente me chamam de "progressista" . Entretanto, ultimamente, ando é muito conservador. Na verdade, "saudosista" ou "nostálgico" seriam expressões melhores.
Tenho saudades de um tempo em que havia um encadeamento lógico nos cultos evangélicos, em que os cânticos e hinos estavam distribuídos equilibradamente na ordem do culto.
Atualmente os chamados "momentos de louvor" mais se assemelham a show ensurdecedores ou de um sentimentalismo meloso.
Pior: sobrepujam em tempo e importância a centralidade da Palavra e da Ceia nas Igrejas Protestantes. Muitas pessoas vão à Igreja muito mais por causa do "louvor" do que para ouvir a Palavra que regenera, orienta e exige de nós obediência. Dias atrás, na semana da Páscoa comentei com um grupo de alunos a respeito da liturgia das "sete palavras da cruz" que seria celebrada em minha Igreja na 6a feira da paixão. Alguns manifestaram desejo de participar. Eu os avisei então que se tratava de uma liturgia que dura, em média, uma hora e meia, durante a qual não é cantado nenhum hino (pelo menos na tradição de minha Igreja - Anglicana), mas onde lemos as Escrituras, oramos e meditamos nas sete palavras pronunciadas por Cristo durante a crucificação. Ao saberem disso, um deles disse: "se não houver música, não há culto".
Creio que, em parte, isso é reflexo da cultura pop, da influência da "Geração MTV", incapaz de perceber que Deus pode ser encontrado também na contemplação, meditação e no silêncio. Percebo também que alguns colegas pastores de outras igrejas freqüentemente manifestam a sensação de sentirem-se tolhidos e pressionados pelos diversos grupos de louvor. O mercado gospel cresceu muito em nosso país e, além de enriquecer os "artistas" e insuflar seus egos, passou a determinar até mesmo a "identidade" das igrejas evangélicas. Houve tempo em que um presbiteriano ou um batista sabiam dar razão de suas crenças.
Atualmente, tudo parece estar se diluindo numa massa disforme. Trata-se da "xuxização" ("todo mundo batendo palma agora... todo mundo tá feliz ? tá feliz!") do mundo evangélico, liderada pelos "levitas" que aprisionam ideologicamente os ministros da Palavra. O apóstolo Paulo dizia que a Palavra não está aprisionada. Mas, em nossos dias, os ministros da Palavra, estão - cativos da cultura gospel.
Tenho a impressão de que isso tudo é, em parte, reflexo de um antigo problema: o relacionamento do mundo evangélico com a cultura chamada "secular". Amedrontados com as muitas opções que o "mundo" oferece, os pais preferem ter os filhos constantemente sob a mira dos olhos aos domingos, ainda que isso implique em modificar a identidade das Igrejas. E os pastores, reféns que são dos dízimos de onde retiram seus salários, rendem-se às conveniências, no estilo dos sacerdotes do Antigo Testamento.
Um aluno disse-me que, no dia em que os evangélicos tomarem o poder no Brasil acabarão com o carnaval, as "folias de rei", os cinemas, bares, danceterias etc. Assusta-me o fato de que o desenvolvimento dessa sub-cultura "gospel" torne o mundo evangélico tão guetizado que, se um dia, realmente os evangélicos tomarem o poder na sociedade, venham a desenvolver uma espécie de "Talibã evangélico". Tal como as estátuas do Buda no Afeganistão, o "Cristo Redentor" estará com os dias contados.
Esses jovens que passam o dia ouvindo rádios gospel e lendo textos de duvidosa qualidade teológica, de repente vêm nos Seminários uma grande oportunidade de ascensão profissional e buscam em massa os seminários. Nunca houve tanta afluência de jovens nos seminários como nos últimos anos.
Em um seminário em que trabalhei (de outra denominação), os colegas diziam que a Igreja, em breve teria problemas, pois o crescimento da Igreja não era proporcional ao número de jovens que todos os anos saíam dos Seminários como bacharéis em teologia, aptos para o exercício do ministério.
A preocupação dos colegas era: onde colocar todos esses novos pastores?
Na minha ingenuidade, sugeri que seria uma grande oportunidade missionária: enviá-los para iniciarem novas comunidades em zonas rurais e na periferia das cidades. Foi então que um colega, bastante sábio, retrucou: "Eles não querem. Recusam-se! Querem as Igrejas grandes, já formadas e estabelecidas, sem problemas financeiros" .
De fato, percebi que alguns realmente se mostravam decepcionados ao saberem que teriam que começar seu ministério em um lugar pequeno, numa comunidade pobre, fazendo cultos nos lares, cantando às vezes "à capella" e sem o apoio dos amplificadores e mesas-de-som.
Na maioria dos Seminários hoje, os alunos sabem o nome de todas as bandas gospel, mas não sabem quem foi Wesley, Lutero ou Calvino.
Talvez até já tenham ouvido falar desses nomes, mas são para eles, como que personagens de um passado sem-importância e sobre o qual não vale a pena ler ou estudar.
Talvez por isso eu e outros colegas professores nos sintamos hoje em dia como que "falando para as paredes". Nem dá gosto mais preparar uma aula decente, pois na maioria das vezes temos sempre que "voltar aos rudimentos da fé" e dar aos vocacionados o leite que não recebem nas Igrejas. Várias vezes me vi tendo que mudar o rumo das aulas preparadas para falar de assuntos que antes discutíamos nas Escolas Dominicais. Não sei se isso acontece em todos os Seminários, mas em muitos lugares, o conteúdo e a profundidade dos temas discutidos pouco difere das aulas que ministrávamos na Escola Dominical para neófitos.
Sei que muitos que lerem esse desabafo, não concordarão em nada com o que eu disse. Mas não é a esses que me dirijo, e sim aos saudosistas como eu, nostálgicos de um tempo em que o cristianismo evangélico no Brasil era realmente referencial de uma religiosidade saudável, equilibrada e madura e em que a Palavra lida e proclamada valia muito mais que o último CD da moda.
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Por Carlos Eduardo Calvani
Coordenador do Centro de Estudos Anglicanos (CEA) em Londrina.
7 comentários:
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Oi Juninho, a Paz.
Vim retribuir a visita, agradecer pelo comentário e deixar o meu.
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Dei uma lida no texto acima sobre as reclamações deste professor de teologia. Ele está certo em 90% do assunto. Então vou tratar dos outros 10%.
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Há muitos aprendizes de teologia sim. Mas a causa maior por trás da mediocridade deles são as novas regras de separação de obreiros das Igrejas pentecostais que hoje exigem um diploma de Teologia para quem deseja ser diácono, presbítero, evangelista, pastor, etc.
Antes a chamada era seletiva. Deus chamava e impulsionava. Hoje a exigência do canudo misturou as coisas, a safra está apresentando excesso de joio.
Mais joio no campo da semeadura significa ainda mais joio na próxima colheita. Um ciclo ruim.
Quem exigiu o diploma não foram os estudantes. Os ídolos substituíram os mestres, os shows substituíram os cultos, a administração secular, o Espírito Santo, e os boms conselheiros por puxa-sacos.
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Daí surgiu um frankstein gospel, que todos pastores e professores condenam, mas que não surgiu por acaso. Surgiu por erro no altar.
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João
Caro João Cruzué!
Grato por sua visita e comentário.
Estou de pleno acordo com sua visão e "Olhar Cristão".
No amor dAquele que está acima de toda teologia,
Junior
meu querido vc tem q saber q isso aconteceria porém a palavra pode ser cantada vc acha q tudo isso prevalece porque ?
Caro Rogério!
Seus argumentos não se fundamentam.
Estão "sem pé e sem cabeça".
Faça bom uso do vernáculo para que possamos debater no campo das idéias.
Com carinho,
Junior
Prezado Irmão:
Sou mestre em Teologia pela PUCSP e Doutorando em Ciência da Religião na Federal de Juiz de Fora. Tive já experiência de docência na FATECHAD (das Assembléias de Deus em São Paulo), na Escola Pastoral de Teologia da minha denominação (sou católico) aqui em Juiz de Fora e atualmente estou tendo a oportunidade de lecionar no Bacharelado Interdisciplinas de Ciências Humanas da UFJF.
Desde a época da Graduação, que fiz aqui em Juiz de Fora, percebia que o que falta é a motivação acadêmica para o estudo de Teologia. Sabemos que Teologia não é Doutrina. Às vezes, por sinal, as duas coisas são contraditórias entre si, especialmente quando pensamos nas muitas divisões internas e externas que nos fomos impondo ao longo de séculos.
Estava eu tristemente navegando pelo Google vendo se encontro algo pra fazer findo o Doutorado (quer dizer, dando uma olhada no "mercado pedagógico" de Teologia) e encontro o seu artigo, de dois anos e meio atrás.
E, triste, percebo que quase nada mudou desde então.
Aí em São Paulo, ficava impressionado com a total ausência de conhecimentos rudimentares de Bíblia em alguns alunos que já eram pastores.
Aqui em Juiz de Fora, estive pasmo com a mesma situação no que se referia aos agentes não ordenados da minha denominação.
Cheio de esperança, abracei o projeto do Bacharelado, como tutor-bolsista da Capes. E... a mesma situação.
O caso é que hoje o Brasil é um país tão de ponta cabeça que os jovens entram na faculdade não por vocação, mas porque este é o único jeito de aumentar um pouco o futuro salário.
As estruturas eclesiológicas também estão truncadas, de modo que se ensina de tudo em Teologia. Mas não se ensina a cantar bingo. E, no caso da minha denominação, os padres são enviados pro interior, pros lugares esquecidos, pra cantar bingo em quermesse. Precisava de teologia pra isso?
Enfim... partilho, dois anos depois, de sua tristeza.
E faço votos para que tenhamos a felicidade de ver teólogos de novo, ao invés de portadores de diploma.
Meu amado eu estou de pleno acordo com o professor de teologia, pois ja estudei um periodo numa instituição e vi atitudes de alunos que me surpreendeu hoje estou terminando o bacharel pela faita do ceará e sempre peço a Deus que seja feito a sua vontade em primeiro plano e não a minha muitos fasem teologia para dizer que tem um diploma outros para humilhar aquele que não tem conhecimentos teologicos e assim se esquecem do que paulo disse pra timotio 2Tm 2; 15. muitos não querem se apresentar a Deus aprovados mais querem se esibir com um anel no dedo e um canudo na mão
Olá
Boa noite
Paz do Senhor.
Tenho 21 ano de idade sou Missionário e estou no 1° Semestre de Teologia, confesso ao irmão que me assustei quando entrei no primeiro dia na sala de aula do Seminário ao notar que muitas pessoas estavam sentadas em uma cadeira para estudar teologia, mas parecia mais estudantes de moda, administração, Educação física, direito e etc. É com um grande pesar no coração que eu venho concordar com essa triste realidade da igreja brasileira.
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