sábado, 4 de outubro de 2008

Auditórios manipuláveis


Tenho refletido a respeito do fenômeno contemporâneo profetizado pelo apóstolo Paulo há quase dois mil anos: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos” (2Tm 4.3). Fico me perguntando por que existe tanta gente disposta a ouvir bobagens travestidas de verdades divinamente reveladas.
Cheguei a algumas conclusões. Encontrei pelo menos quatro razões pelas quais os contadores de fábulas estão levando vantagens sobre os profetas e mestres: ignorância, cobiça, culpa e desespero.
Por mais estranho que pareça, não creio que a ignorância seja a causa principal. A verdade é que pessoas esclarecidas são facilmente manipuladas quando se tornam presas da culpa, da cobiça e do desespero. Claro, não tenho dúvidas quanto à necessidade de ensinar, oferecer referenciais objetivos para reflexão, apresentar argumentos lógicos para defesa da fé. Tenho percebido, contudo, que há um ponto a partir do qual a pessoas já não ouvem com razão, mas com o coração. Sim, aquele mesmo coração enganoso e desesperadamente corrupto como o descreveu o profeta Jeremias, é ele mesmo que as pessoas culpadas, gananciosas e desesperadas utilizam para desenvolver seu ouvido seletivo.
O tratamento bíblico para culpa é o arrependimento e a confissão: admitir o pecado, concordar com o veredicto de Deus e mudar de idéia, atitude ou comportamento. Confessar é, então, ouvir Deus dizer: “Você é ladrão”; e admitir: “Sim, Senhor, sou ladrão”. Arrependimento é mudança de rumo. É ouvir Deus perguntar: “E vai continuar roubando?”; e responder: “Não, Senhor, não vou continuar roubando”. Em outras palavras, libertar-se do peso da culpa implica transformação pessoal. Mas sei que uma oferta financeira, uma bajulação ao guru espiritual ou um sacrificiozinho semanal custa mais barato e dói menos do que a transformação mediante o arrependimento e a confissão.
Costumo distinguir cobiça, ambição e ganância. Ambição é querer mais. Ganância é nunca estar satisfeito. Cobiça é querer o que não é legítimo. Não vejo nada de errado na ambição. Afinal, não devemos nos contentar com as migalhas, quando Deus nos promete uma mesa posta, unção com óleo e cálice transbordando. Já a ganância é perniciosa. Pessoas insatisfeitas não são gratas, pois nunca desfrutam o que têm, uma vez que tudo quanto enxergam é o que não têm. A cobiça, no entanto, é pior. Ela estimula a posse por usurpação, acessa o que é alheio, se agarra ao que não é permitido. Por serem irmãs, a cobiça e a inveja andam sempre juntas. Querer sempre mais já é péssimo – imagine, então se deixar consumir pelo desejo daquilo que Deus jamais prometeu e até mesmo proibiu.
O coração vazio de Deus é um buraco negro, um bicho come-come insaciável que perde a noção do bom senso e se ilude com promessas inescrupulosas dos marqueteiros da fé, que sabem se valer da gula existencial dos insatisfeitos crônicos. De fato, participar da corrente de intercessão e súplica, jejuar alguns dias seguidos, aumentar o valor da oferta financeira para compensar a falta de fé é muito mais fácil do que aprender a viver feliz em qualquer situação. Dormir na esperança, ainda que ilusória, de um dia possuir, é menos penoso do que aprender a estar satisfeito em qualquer situação.
E o desespero? O desespero é resultado da dor profunda, do sofrimento excessivo, da sensação de morte, da iminência da tragédia. Pessoas nessas condições estão dispostas a qualquer coisa. Pagam qualquer preço. Poucas coisas custam tão caro e estão tão valorizadas no mercado quanto a solução imediata. Poucas indústrias são tão rentáveis quanto a da promessa do alívio instantâneo. E não são poucos os que estão capitalizando em cima dessa ferida aberta da sociedade. Até porque o alívio imediato e a solução instantânea possuem atrativos que nem se comparam a processos de transformação interior, geralmente longos e doloridos, porém com frutos perenes.
Não tenho dúvidas: a fórmula para a manipulação das massas possui doses de ignorância, culpa, cobiça e desespero.


Referência Bibliográfica:

KIVITZ, Ed René. Outra Espiritualidade: fé, graça e resitência. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2006.

6 comentários:

Anônimo disse...

Paz Mano! A mesma coisa Deus ministrou em minha igreja a uns 3 meses. Passamos por experiências de ministrar na vida de pessoas que clamavam por ajuda e que no meio da ministração nos abandonava para buscarem um evangélio mais fácil e imediato. Vi uma cidade inteira corrompida, onde hoje os seus verdadeiros profetas estão sacudindo a poeira dos pés, sendo apressados por Deus para saírem desta terra e para que venha o Juízo. Deus não está surdo e nem com seus braços amarrados. Deus te abençoe mais e mais e que os leitores dos seus comentários, sejam verdadeiramente transformados!
Leonardo Damasceno, Ev., Ministério Graça e Glória para as Nações, www.amigrace.org

JamesCondera disse...

Graça e paz vos sejam multiplicadas, pelo conhecimento de Deus, e de Jesus nosso Senhor, irmão Junior!

A "promessa do alívio instantâneo" é a 'galinha dos ovos de ouro' dos pseudo-pastores-pregadores da modernidade, com suas engenhosas(???) doutrinas, carregadas de sofisma...

Infelizmente as massas estão distantes do Amor que Cristo derramou na cruz do Calvário por nós, e, conforme este exímio texto, podemos contemplar aos tempos de Noé, onde o SENHOR "viu que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente." (Gênesis 6).

Mas nós, devemos permanecer na posição admoestada por nosso amado irmão Paulo: "... que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens".

Fraternalmente.
James.
www.jesusmaioramor.blogspot.com

Fábio Aguiar disse...

Valeu por me linkar Junior.

Deus te abeçoe e saudações tricolores! hehehehe

Fábio Aguiar

Ronaldo Junior disse...

Grande Missionário Léo!

Infelizmente vivemos esse pragmatismo religioso, onde todos querem semear e colher no mesmo dia.
Continuemos a orar, pois eles não sabem o que fazem.

Abraços

Ronaldo Junior disse...

Caro James!

Seu comentário dispensa acréscimos.

Deus tenha misericórdia de nós.

Abraços

Ronaldo Junior disse...

Valeu Fábio!

Paz sobre tua vida.
Apesar de estar mal das pernas, boto fé que permaneceremos na 1ª divisão.

Saudações.

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