sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Seria Deus o culpado?

“Se Deus existe, ele terá muito do que se explicar.” Esta foi a resposta que o ator Robert DeNiro deu à pergunta “Se o céu existe e você chegasse lá, o que você gostaria de ouvir de Deus?”, feita pelo apresentador que o estava entrevistando num programa da TV americana. DeNiro parece não conseguir lidar bem com a questão do sofrimento e para ele (sua afirmação o sugere), Deus é o culpado.

Antes de repreender o ator por seu ateísmo e descrença no amor de Deus, veja o que escreveu o consagrado pastor batista americano Rick Warren em seu livro Uma vida com propósitos, editado no Brasil pela Editora Vida:

"Deus determinou cada pequeno detalhe de nosso corpo. Ele deliberadamente escolheu sua raça, a cor de sua pele, seu cabelo e todas as outras características. Ele fez seu corpo sob medida, exatamente do jeito que queria".
(página 22)

Se isso é verdade, então Deus é o culpado por todo o mal congênito de que sofra qualquer ser humano. E não só pelos hereditários, mas pelos provocados por fatores impostos pelas circunstâncias, uma vez que o autor afirma: “O propósito de Deus levou em conta o erro humano e até mesmo o pecado” (página 23).


Na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Estado da Bahia, uma empresa foi acionada por ter contaminado a água da região com mercúrio, causando mortes e o nascimento de crianças com sérios problemas e anomalias, condenando-as a sofrimento atroz para o resto de suas vidas. E o que dizer às crianças que nascem soropositivos? Se o pastor americano está certo, isso foi vontade de Deus. Ele é o culpado.

"Uma vez que Deus o fez por um motivo, ele também decidiu o momento de seu nascimento e seu tempo de vida (...) escolhendo o momento exato de seu nascimento e de sua morte".
(página 22)

Se isso é assim, não fazem sentido versículos como: “Mas tu, ó Deus, farás descer à cova da destruição aqueles assassinos e traidores, os quais não viverão a metade dos seus dias” (Sl 55.23); ou: “O temor do Senhor prolonga a vida, mas a vida do ímpio será abreviada” (Pv 10.27); ou ainda: “Não seja demasiadamente ímpio e não seja tolo; por que morrer antes do tempo?” (Ec 7.17); ou mais: “Orem para que a fuga de vocês não aconteça no inverno nem no sábado” (Mt 24.20). Ou situações como a descrita em Atos 27, em que Paulo profetiza um desastre para a viagem, com prejuízo para a vida dos embarcados (versículo 10), não sendo, porém, ouvido; contudo, após 14 dias de oração, recebe de Deus a confirmação de que não somente seria salvo, como, por graça, recebera a vida de todos os que com ele navegavam (versículo 24).

"Ele planejou os dias de sua vida antecipadamente".
(página 22)

A quem este tipo de informação inclui? Porventura, inclui as crianças que estão sob toda sorte de abuso? Ou as mulheres que sofrem toda espécie de aviltamento? Ou os seres humanos que estão sob todo tipo de tortura? Ou os que estão entre os despossuídos, carecendo de um mínimo de dignidade? Então, Deus é o culpado?

"Deus também programou onde você nasceria e onde viveria para o propósito dele".

É isso que devemos dizer aos que vivem em submoradias, aos que não conseguem ir ao trabalho, qualquer que seja ele, por que moram em regiões onde, por causa da guerra, onde eram apenas vítimas, há minas explosivas espalhadas por toda parte? Também, há os que são obrigados a ver seus filhos expostos a esgoto aberto. Tudo isso, então, é para o propósito de Deus?

Há coisas que são fáceis de dizer quando o público é composto das classes média e rica. Estes, porém, constituem a minoria no mundo. Minoria dominante; porém, o menor grupo da humanidade. A maioria da humanidade padece de pobreza, enfermidade e ignorância. Se tudo isso é a vontade de Deus, o ator de Hollywood está certo. Se Rick Warren, nessa questão, está certo, Robert DeNiro está também.

Nosso irmão, ainda que bem intencionado e de ter em seu texto ótimos conselhos, parece não ter levado em conta a questão de que a queda humana alterou a lógica da Criação, com conseqüências cósmicas e microcósmicas, daí todas as mazelas em todas as dimensões. É verdade que a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana é uma grande incógnita para todos; porém, não é com simplismos, tais como “Deus não sabe o futuro” ou “Deus tudo determinou”, que vamos chegar à solução dessa equação. Precisamos da coragem para afirmar que Deus é soberano e o ser humano é responsável, ainda que não o compreendamos por completo.

Quanto ao cumprimento dos propósitos divinos, temos a afirmação de que, em relação a seus filhos, “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28). Quanto às demais questões, “Deus estabeleceu tempos e datas pela sua própria autoridade.” (At 1.7).
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Ariovaldo Ramos

3 comentários:

Anônimo disse...

O Pr. Ariovaldo é uma das reservas morais e espirituais dos evangélicos brasileiros. Sempre que vejo o nome dele sob um texto, leio com atenção e respeito.

Porém, no texto acima, ele se mostra incomodado com uma possível semelhança entre as afirmações de DeNiro e Warren. Porém, eu vejo uma distância enorme entre o que um afirma e o que o outra diz.

Não conheço o pastor Warren, não li o seus livros e tenho um preconceito assumido contra o movimento de crescimento da igreja. Mas concordo 100% com o que ele diz nas citações e discordo 100% do Robert DeNiro, que é bom ator, mas péssimo teólogo ou mesmo filósofo.

DeNiro assume a postura de um inquiridor, que coloca Deus no banco dos réus. Ele exige explicações por aquilo que ele vê, não entende e culpa a Deus.

Warren parte do reconhecimento do direito divino e assume que não entender não lhe dá o direito de exigir explicações.

Os cristãos devem reconhecer sua limitação em entender as coisas como são e aceitar simplesmente o que Deus diz. E Ele diz que é Soberano e o homem é responsável, duas verdades igualmente caras aos calvinistas.

Em Cristo,

Clóvis

PS.: Sugiro a leitura de "Soberania e Sofrimento" em meu blog: http://cincosolas.blogspot.com/2008/12/soberania-e-sofrimento.html

Ronaldo Junior disse...

Clóvis!

Sempre que mexemos em princípios basilares do calvinismo encontro vc por aqui defendendo ferrenhamente a famigerada TULIP. E sua presença aqui é muito gratificante, pois o enriquecimento de seus comentários é sem igual.

Nossas divergências teológicas tem sido de grande valia para mim avaliar meus conceitos. Apesar de não me definir por nenhuma corrente teológica, aprecio muito alguns pontos calvinistas.

Quando cursava ainda meu primeiro ano do seminário essas divergências me deixavam louco (risos), mas fui compreendendo alguns aparentes paradoxos para não entrar em "crises" existenciais.

Tenho orado à Deus para encontrar mais tempo de escrever e dar uma atenção mais especial ao blog. Quem sabe o Reflexões do Reino chega ao número de visitantes do CincoSolas (risos).

Por fim, continuarei citando Ariovaldo Ramos: "Nosso irmão, ainda que bem intencionado e de ter em seu texto ótimos conselhos, parece não ter levado em conta a questão de que a queda humana alterou a lógica da Criação, com conseqüências cósmicas e microcósmicas, daí todas as mazelas em todas as dimensões. É verdade que a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana é uma grande incógnita para todos; porém, não é com simplismos, tais como “Deus não sabe o futuro” ou “Deus tudo determinou”, que vamos chegar à solução dessa equação. Precisamos da coragem para afirmar que Deus é soberano e o ser humano é responsável, ainda que não o compreendamos por completo".

Com carinho,
Junior

Anônimo disse...

Junior,

Eu sempre estou por aqui, não apenas para defender a "famigerada TULIP", mas para me beneficiar do que você esreve e posta aqui. No caso, não estava defendendo a TULIP, mas a providência de Deus.

O pastor Ariovaldo (a quem reitero meu respeito e admiração), coloca dois extremos: Deus não conhece o futuro (teísmo aberto) e Deus determinou tudo (calvinismo), o que sugere que a posição equilibrada é o arminianismo. Porém há aqui alguns pontos a serem esclarecidos.

Os extremos são o teísmo aberto (que solapa a onisciência divina para preservar a responsabilidade humana) e o hipercalvinismo ou fatalismo (que anula a responsabilidade humana para preservar soberania divina).

Cada um ao seu modo, tanto o arminianismo quanto o calvinismo mantêm a soberania divina e a responsabilidade humana, sempre numa tensão mas nunca negando uma ou outra. Por isso, que as duas posições, ainda que não concordantes mantém-se dentro da ortodoxia.

Agora, acho que o Pr. Ariovaldo cometeu alguns equívocos. Primeiro, ao igualar as afirmações de Robert de Niro a de Rick Warren. Segundo, por assumir que a existência do mal num universo controlado por Deus é uma contradição. E finalmente por sugerir que o calvinismo faz Deus culpado pelo mal, que não é o caso.

A declaração que segue não é apenas de um arminiano, mas do próprio Armínio:

"Nesta definição de Providência Divina, eu de forma alguma a privo de qualquer partícula daquelas propriedades que concordam ou pertencem a ela; mas eu declaro que ela preserva, regula, governa e dirige todas as coisas e que nada no mundo acontece acidentalmente ou por acaso. Além disto, eu coloco em sujeição à Providência Divina tanto o livre-arbítrio quanto até mesmo as ações de uma criatura racional, de modo que nada pode ser feito sem a vontade de Deus, nem mesmo as que são feitas em oposição a ela , somente devemos observar uma distinção entre as boas e as más ações, ao dizer, que "Deus tanto deseja e executa boas ações," quanto que "Ele apenas livremente permite as que são más." Além disto ainda, eu muito prontamente admito, que até mesmo todas as ações, sejam quais forem, relativas ao mal, que possam possivelmente ser imaginadas ou criadas, podem ser atribuídas ao Emprego da Divina Providência, tendo apenas um cuidado, "não concluir deste reconhecimento que Deus seja a causa do pecado." (Works, vol 1: The providence of God)

Em Cristo,

Clóvis

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