terça-feira, 17 de novembro de 2009

O palácio maravilhoso


Este post é dedicado àqueles que não decidiram se são pastores ou arquitetos, e ainda confundem templo com igreja.

Conta-se que o rei Hiamir chamou, certa vez, o seu digno ministro Idálio e disse-lhe:

– Quero fazer, ó vizir, uma longa e demorada excursão a uma das regiões mais longínquas do meu reino. Formei o desejo de visitar e percorrer o país de Tiapur, na fronteira. Estou informado, porém, de que essa província, sobre ser pobre e triste, é árida e sem conforto. Daqui partirás, pois, alguns meses antes de mim, levando os recursos que forem necessários. Logo que chegares a Tiapur mandarás, sem demora, construir um magnífico palácio, com largas varandas de marfim e pátios floridos. Nesse palácio ficarei hospedado, durante uma temporada, com tranqüilidade e conforto.

Respondeu o vizir, beijando a terra entre as mãos:

– Escuto e obedeço, ó rei, a vossa ordem estará sempre diante de meus olhos e de meu coração.

Cinco dias depois, uma poderosa caravana, sob a chefia do grão-vizir, partia da capital em demanda dos oásis verdejantes de Tiapur. Os numerosos camelos carregados de ouro e ricas alfaias deixavam sulcos bem fundos na areia branca do deserto. A fila era tão extensa que a caravana, ao parar, sob a inclemência do sol, parecia um arabesco escuro traçado no areal sem fim.

– Que vai fazer, tão longe, o vizir? – indagavam os beduínos. – Por Alá! Com que fim conduz ele tantas riquezas?

O chamir – guia da caravana – procurava saciar aquela sede de curiosidade, derramando uma torrente de indiscrições:

– O vizir vai construir, em Tiapur, um palácio maravilhoso para o rei! O palácio terá varandas de marfim e pátios cheios de flores! Uassalã!

A imensa caravana conduzia, realmente, entre os seus viajantes, o talentoso Benadin, o arquiteto de mais prestígio daquele tempo.

Ao chegar, porém, ao país de Tiapur, o vizir Idálio ficou desolado com o estado de pobreza e de abandono em que se achava a população. Encontrou, pelas estradas, crianças famélicas, nuas, que mendigavam tâmaras secas; em casebres de palha, centenas de infelizes, abatidos pelas febres, morriam de inanição; mulheres cobertas de andrajos, com os filhinhos nos braços, deixavam-se ficar, esquálidas, no pátio da velha mesquita, aguardando os pedaços de pão que eram ali atirados por beduínos supersticiosos.

Os quadros de miséria e sofrimento que se desenrolavam, a cada passo e a todo instante, torturavam o coração do poderoso ministro. E ele trouxera, por ordem do rei, mais de 30 mil dinares, que seriam gastos na construção de um grandioso palácio!

Que fez o vizir do rei?

Levado por um impulso irresistível de bondade, em vez de executar a ordem do poderoso soberano, deliberou gastar o dinheiro que trazia, beneficiando a infeliz população de Tiapur. Mandou, pois, construir abrigos para os desamparados; distribuiu víveres entre os mais necessitados; determinou que todos os enfermos fossem, sem demora, medicados; forneceu vestes aos que estavam nus e pão, em abundância, aos que padeciam fome. Por sua ordem foi construído um grande asilo para os órfãos; mandou, ainda, reformar a mesquita, que se achava quase em ruínas, e ao lado do velho templo fez erguer um magnífico hospital, onde recolheu os cegos e aleijados.

Ao fim de alguns meses, notava-se uma transformação completa da cidade. Os homens haviam voltado, cheios de entusiasmo, ao trabalho, e por toda parte reinava a alegria; as crianças brincavam nos pátios e as mulheres cantavam nas portas das tendas.

E do palácio maravilhoso, que o rei encomendara, nada existia...

Um dia, afinal, como já estava combinado, o rei Hiamir, acompanhado de grande escolta, deixou a bela cidade em que vivia para jornadear pelas terras fronteiriças de seu reino.

O vizir Idálio foi ao encontro do soberano e aguardou a chegada da régia caravana ao oásis de Cobo, que fica a três horas de jornada de Tiapur.

– Estou ansioso, ó vizir – exclamou o rei –, por admirar o belo monumento que aqui vieste construir! A fadiga da longa viagem convida-me ao repouso, mas só saberia descansar na varanda de marfim de meu belo palácio!

Quando o rei Hiamir chegou a Tiapur, foi recebido por uma indescritível manifestação de júbilo da população.

– Sinto-me feliz – confessou o monarca ao seu primeiro-ministro – por saber que sou sinceramente estimado pelos meus dedicados súditos. A satisfação com que todos aqui me recebem é um indizível conforto para o meu espírito.

E, muito intrigado, perguntou:

– Mas onde está, ó vizir, o palácio de Tiapur?

– Rei poderoso! – respondeu o vizir Idálio. – Antes de vos falar do palácio que aqui vim erguer, segundo vossa determinação expressa, tenho um pedido muito sério a fazer-vos. Segundo as vossas leis, aquele que desobedecer ao rei, praticando conscientemente um abuso de confiança, deve ser condenado à morte. Houve, ó rei, um homem de vossa confiança que praticou o grave delito da desobediência. Espera que determineis, sem demora, a execução do culpado.

– Quem é o acusado? – indagou o monarca. – Como se chama? Não é curial que exijas de mim sentença de morte contra um réu que desconheço!

– O criminoso sou eu, ó rei – respondeu o vizir.

E, sem ocultar aos olhos do soberano a menor parcela da verdade, descreveu, em poucas palavras, o estado deplorável em que encontrara o povo daquela terra. Falou do abandono em que se achavam os enfermos, das criancinhas famintas que mendigavam e da miséria inenarrável que torturava as pobres mães. E confessou, afinal, que ele, penalizado diante de tanto sofrimento, em vez de construir o palácio real, resolvera despender todos os recursos da caravana real em socorrer e mitigar a triste sorte da população.
E, ajoelhando-se aos pés do monarca, exclamou o bom vizir:

– Não cumpri, ó rei, como acabei de confessar, a ordem que me destes. Desobedeci ao meu amo e senhor! E aguardo, humilde, o castigo de que me fiz merecedor. Que seja contra mim lavrada a sentença de morte!

– Levanta-te! Dá-me a tua mão, meu amigo – ordenou, emocionado, o rei. – Não poderá pesar jamais sobre tua consciência a culpa da menor desobediência. O palácio, de cuja construção, em boa hora, foste por mim encarregado, acha-se construído com incomparável arte e invejável talento. E posso, deste lugar, abrangê-lo em suas linhas suntuosas, em seu conjunto soberbo; em sua cúpula radiosa e eterna.

E, erguendo o rosto como se fitasse algum monumento fantástico, exclamou, cheio de entusiasmo e comoção:

– Que palácio maravilhoso! Como é lindo e deslumbrante! Vejo as torres cintilantes nas fisionomias alegres das crianças que foram por ti socorridas; admiro as largas varandas de marfim no sorriso radiante dos meus súditos; reconheço os pátios floridos no olhar de gratidão das mães felizes! Como é majestoso e belo, ó vizir, o palácio que a tua bondade fez erguer nas terras de Tiapur! Alá seja exaltado!

Reparai, meu amigo! A verdade não deve ser ofuscada!

Grande fora, sem dúvida, o ministro Idálio, ao praticar, com risco de sua vida, aquele ato de caridade; maior, porém, demonstrara o rei ter sido ao aprovar imediatamente, com intensa alegria, a generosidade de seu vizir.

O palácio maravilhoso do rei Hiamir tinha os seus alicerces inabaláveis na terra; mas estendia suas torres deslumbrantes até o céu.


TAHAN, Malba. Os melhores contos. 23 ed.
Rio de Janeiro: Record, 2007. p.109-114.

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