Por Ricardo Gondim
Orar poderia ser definido como uma arte? A arte de convencer? Seria, então, a mais nobre de todas as artes, pois persuade a Deus. Será que uma reza tem força para alterar o curso previamente definido pela Providência? Mas, como o desfiar de um rosário pode mudar o curso da história?
Morro de medo de começar a fazer esse tipo de pergunta; parece um fio solto que a gente vai puxando, puxando, até que não sobra mais nada da blusa. Na verdade, sabemos quase nada sobre as ladainhas, sobre as intercessões, sobre os rogos, sobre as súplicas, sobre as petições, sobre as correntes e as campanhas de oração.
Além de pastor e conferencista, sinto-me responsável, como pai e avô, de ensinar valores espirituais (transcendentais) à minha prole. Os tempos são difíceis, nunca se trivializou tanto o assunto da oração nessas "igrejas-empresas" que propagandeiam suas “orações fortes”; nunca tantos charlatões apregoaram a capacidade de saberem como “mover o braço de Deus". Mesmo assim, teimo em crer. Até contra as racionalizações positivistas, os ceticismos humanistas e as dúvidas cruéis, uma voz insiste em gritar dentro de meu peito: - Creia, é possível falar com Deus!
Confesso que sou um noviço nos protocolos de frequentar o Santo dos Santos. Minhas certezas são frágeis e carregadas de imprecisão. Identifico-me com os primeiros seguidores de Jesus de Nazaré e repito: “Senhor, ensina-me a orar”.
Não ofereço respostas, não indico caminhos rumo ao trono de Deus. Continuo como um daqueles discípulos, mais perdido do que centrado. Nas vezes em que precisei falar com o Todo-Poderoso, fui um fiasco. Consigo despejar palavras, gritar ou cantar louvores, manter minhas preces dentro da ortodoxia protestante, mas continuo inapto, sem grandes tratados de como se dirigir a Deus.
Contudo, às apalpadelas, faço minhas invocações ao Senhor, e nutro algumas intuições como balizas que me orientam nos exercícios espirituais.
Procuro fazer da graça o chão da minha devocional. Muito de minha adoração consiste em procurar escapar da armadilha de repetir esta palavra (graça) como um simples conceito teológico. A graça precisa manter-se como minha premissa relacional: Deus é sempre simpático a mim. Em todo culto, procuro trazer à lembrança que antes de qualquer manifestação piedosa, de arrependimentos com oblações, de flagelações e de rasgar de vestes, Deus me quer bem. Sua graça me poupa de implorar-lhe que troque de semblante; Deus não é antipático. Minha incapacidade de cumprir a lei não provoca sua ira. Não existe nada em minha conduta anterior que predisponha Deus contra mim. A graça me ajuda a dialogar com o Eterno sem depender da minha pureza.
Procuro manter em mente que Jesus de Nazaré revelou Deus como um Pai bom e misericordioso. Não oro como se Ele fosse uma energia ou um princípio metafísico. Porque procuro perceber que Deus me trata como um pai, não preciso arengar, bater o pé, para ganhar o seu favor. As circunstâncias da vida, com suas contingências, incidentes, sofrimentos, desditas, fadigas, fascínios, benevolências e alegrias, não possuem uma conexão direta com o desprezo ou amor de Deus. Ele não prometeu redomas; não sugeriu que vivêssemos sem percalços.
Há muito parei de pedir livramentos divinos. Pedir que Deus não deixe que o pneu do meu carro fure ou que meu neto não fira a boca ou que eu jamais tenha enxaqueca, não faz parte, por assim dizer, do jeito como Deus decidiu (soberanamente) lidar com suas filhas e filhos. Ele não criou um mundo onde as pessoas estejam isentas de percalços e não atrelou bênçãos à impecabilidade (faz o sol e a chuva virem sobre todos, bons e maus). O casuísmo da Escritura não pode criar a expectativa de que é possível viver sem tribulação.
Procuro lembrar a mim mesmo que pedir favores especiais de Deus representaria uma indignidade existencial. Por que eu deveria acreditar que, servindo-O, terei maiores benefícios neste mundo? Deus não odeia as balanças enganosas? Por que então abraçar a ilusão de que Deus “faz passar no vestibular”, “deixa os jogadores de futebol crentes marcarem mais gols”, “resolve causas na justiça” ou “traz a pessoa amada"?
Não seria muito mais nobre se os crentes abrissem mão das possíveis regalias de um relacionamento com Deus? Não seria este, precisamente, o mandato cristão: irmanar-se ao drama de milhões que sofrem e morrem sem salvamentos espetaculares? Cristianismo não aponta para o exemplo Jesus de Nazaré, que morreu numa cruz?
Minhas preces, muitas vezes, são sem palavras. Em absoluto silêncio, contemplo o misterium tremendum que fica para muito além dos contornos da razão. Procuro absorver os vazios infinitos; intuir as verdades inaprendíveis; familiarizar-me com as escuridões cósmicas; envolver-me de nostalgias doloridas; conviver com os paradoxos incontornáveis. Minhas preces se parecem com meditações quando regurgito textos sagrados, imagens e símbolos do fascínio eterno.
Meus solilóquios também servem de incenso. Converso com minha alma como uma disciplina espiritual. Falo sozinho. Já me flagrei perguntando: – Por que estás abatida, ó minha alma?
Não, não sou nenhum prior no sacramento da oração. Posso ensinar pouca coisa. Percebo, porém, que Deus não escuta quando se fala muito. Entendo também que todo aquele que conhece o amor do Pai pára de suplicar por bens materiais, como comida ou vestido. Compreendo que existe uma dimensão secreta da oração, um lugar onde só entra uma pessoa por vez e que jamais poderia ser revelado publicamente. Quando eu me tranco nele, converso com Deus sobre realidades que guardo debaixo de sete chaves.
Quem desejar o divino ofício de orar deve fazer a sua própria peregrinação. Eu só posso dizer que a trilha será íngreme, às vezes confusa, solitária, mas sempre recompensadora.
Orar poderia ser definido como uma arte? A arte de convencer? Seria, então, a mais nobre de todas as artes, pois persuade a Deus. Será que uma reza tem força para alterar o curso previamente definido pela Providência? Mas, como o desfiar de um rosário pode mudar o curso da história?
Morro de medo de começar a fazer esse tipo de pergunta; parece um fio solto que a gente vai puxando, puxando, até que não sobra mais nada da blusa. Na verdade, sabemos quase nada sobre as ladainhas, sobre as intercessões, sobre os rogos, sobre as súplicas, sobre as petições, sobre as correntes e as campanhas de oração.
Além de pastor e conferencista, sinto-me responsável, como pai e avô, de ensinar valores espirituais (transcendentais) à minha prole. Os tempos são difíceis, nunca se trivializou tanto o assunto da oração nessas "igrejas-empresas" que propagandeiam suas “orações fortes”; nunca tantos charlatões apregoaram a capacidade de saberem como “mover o braço de Deus". Mesmo assim, teimo em crer. Até contra as racionalizações positivistas, os ceticismos humanistas e as dúvidas cruéis, uma voz insiste em gritar dentro de meu peito: - Creia, é possível falar com Deus!
Confesso que sou um noviço nos protocolos de frequentar o Santo dos Santos. Minhas certezas são frágeis e carregadas de imprecisão. Identifico-me com os primeiros seguidores de Jesus de Nazaré e repito: “Senhor, ensina-me a orar”.
Não ofereço respostas, não indico caminhos rumo ao trono de Deus. Continuo como um daqueles discípulos, mais perdido do que centrado. Nas vezes em que precisei falar com o Todo-Poderoso, fui um fiasco. Consigo despejar palavras, gritar ou cantar louvores, manter minhas preces dentro da ortodoxia protestante, mas continuo inapto, sem grandes tratados de como se dirigir a Deus.
Contudo, às apalpadelas, faço minhas invocações ao Senhor, e nutro algumas intuições como balizas que me orientam nos exercícios espirituais.
Procuro fazer da graça o chão da minha devocional. Muito de minha adoração consiste em procurar escapar da armadilha de repetir esta palavra (graça) como um simples conceito teológico. A graça precisa manter-se como minha premissa relacional: Deus é sempre simpático a mim. Em todo culto, procuro trazer à lembrança que antes de qualquer manifestação piedosa, de arrependimentos com oblações, de flagelações e de rasgar de vestes, Deus me quer bem. Sua graça me poupa de implorar-lhe que troque de semblante; Deus não é antipático. Minha incapacidade de cumprir a lei não provoca sua ira. Não existe nada em minha conduta anterior que predisponha Deus contra mim. A graça me ajuda a dialogar com o Eterno sem depender da minha pureza.
Procuro manter em mente que Jesus de Nazaré revelou Deus como um Pai bom e misericordioso. Não oro como se Ele fosse uma energia ou um princípio metafísico. Porque procuro perceber que Deus me trata como um pai, não preciso arengar, bater o pé, para ganhar o seu favor. As circunstâncias da vida, com suas contingências, incidentes, sofrimentos, desditas, fadigas, fascínios, benevolências e alegrias, não possuem uma conexão direta com o desprezo ou amor de Deus. Ele não prometeu redomas; não sugeriu que vivêssemos sem percalços.
Há muito parei de pedir livramentos divinos. Pedir que Deus não deixe que o pneu do meu carro fure ou que meu neto não fira a boca ou que eu jamais tenha enxaqueca, não faz parte, por assim dizer, do jeito como Deus decidiu (soberanamente) lidar com suas filhas e filhos. Ele não criou um mundo onde as pessoas estejam isentas de percalços e não atrelou bênçãos à impecabilidade (faz o sol e a chuva virem sobre todos, bons e maus). O casuísmo da Escritura não pode criar a expectativa de que é possível viver sem tribulação.
Procuro lembrar a mim mesmo que pedir favores especiais de Deus representaria uma indignidade existencial. Por que eu deveria acreditar que, servindo-O, terei maiores benefícios neste mundo? Deus não odeia as balanças enganosas? Por que então abraçar a ilusão de que Deus “faz passar no vestibular”, “deixa os jogadores de futebol crentes marcarem mais gols”, “resolve causas na justiça” ou “traz a pessoa amada"?
Não seria muito mais nobre se os crentes abrissem mão das possíveis regalias de um relacionamento com Deus? Não seria este, precisamente, o mandato cristão: irmanar-se ao drama de milhões que sofrem e morrem sem salvamentos espetaculares? Cristianismo não aponta para o exemplo Jesus de Nazaré, que morreu numa cruz?
Minhas preces, muitas vezes, são sem palavras. Em absoluto silêncio, contemplo o misterium tremendum que fica para muito além dos contornos da razão. Procuro absorver os vazios infinitos; intuir as verdades inaprendíveis; familiarizar-me com as escuridões cósmicas; envolver-me de nostalgias doloridas; conviver com os paradoxos incontornáveis. Minhas preces se parecem com meditações quando regurgito textos sagrados, imagens e símbolos do fascínio eterno.
Meus solilóquios também servem de incenso. Converso com minha alma como uma disciplina espiritual. Falo sozinho. Já me flagrei perguntando: – Por que estás abatida, ó minha alma?
Não, não sou nenhum prior no sacramento da oração. Posso ensinar pouca coisa. Percebo, porém, que Deus não escuta quando se fala muito. Entendo também que todo aquele que conhece o amor do Pai pára de suplicar por bens materiais, como comida ou vestido. Compreendo que existe uma dimensão secreta da oração, um lugar onde só entra uma pessoa por vez e que jamais poderia ser revelado publicamente. Quando eu me tranco nele, converso com Deus sobre realidades que guardo debaixo de sete chaves.
Quem desejar o divino ofício de orar deve fazer a sua própria peregrinação. Eu só posso dizer que a trilha será íngreme, às vezes confusa, solitária, mas sempre recompensadora.
Um comentário:
Excelente postagem Jr,
Amo o Pr. Ricardo Gondim, tenho aprendido muito com este homem de Deus. E o q mais gosto é a maneira como escreve mesclando Literatura com Bíblia, muito fera!!!
Como fiz Letras me identifico com ele, pois tb faz apontamentos maravilhosos sobre temas interessantíssimos...
Fique na paz de Cristo e continue produzindo, pois traz aperfeiçoamento!!!
Paz meu irmão
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