sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Que igreja é essa?


Reunidos em agosto deste ano no Conselho de Ministros Evangélicos de Jacarepaguá – COMEJA -, um grupo de pastores e líderes de diversas denominações debateu em extensão e profundidade as idéias que indicam respostas possíveis para uma pergunta que, em princípio, já implica um olhar de perplexidade diante dos rumos que a igreja vai tomando na era da globalização. O pastor Ariovaldo Ramos, líder da Comunidade Cristã Reformada de São Paulo, foi o convidado do encontro, que ocorre periodicamente às quintas-feiras e que tem produzido reflexões de alta relevância para o diagnóstico sobre o momento histórico vivido pelo povo de Deus no Brasil e no mundo.

Existe, na concepção de Ariovaldo Ramos, a igreja-mercado e a igreja de Jesus Cristo. A primeira é simplesmente a via pela qual se pratica o que ele chama de estelionato religioso, que é o fato de se vender produtos que não poderão ser entregues. Esta igreja representa uma traição ao evangelho, por ignorar aspectos essenciais da proposta cristã, como o amor a Deus e ao próximo, a concepção da igreja como comunidade de fé e a atitude sacrificial no trabalho com pessoas das áreas carentes, além do desprezo pela graça comum presente em todas as áreas da vida. Essa traição se define também pelo fato de se fazer do milagre um fim em si mesmo, como se a solução de problemas materiais fosse o único alvo a ser buscado no âmbito da vida espiritual, em detrimento inclusive da consciência da qual toda pessoa humana precisa partir para encontrar a cura completa de sua vida.

O autêntico evangelho da graça exige na parte de cada pessoa o exercício do dever, que é também um direito, de reconhecer os sinais da presença de Jesus Cristo na igreja e no mundo e de assumir conduta compatível. Esse reconhecimento implicará, assim, a necessidade de uma decisão no sentido de tornar-se discípulo ou tornar-se um traidor. Tornar-se discípulo significa aceitar estar com Jesus Cristo na vida e na morte, responsabilidade que recai sobre todo aquele que se dispõe a corresponder de maneira concreta ao amor de Deus manifestado também concretamente na do Filho de Deus. Nesse sentido, não há ninguém que seja especial. A propósito, Ramos destaca uma outra falha da igreja-mercado: a criação de figuras especiais, acima das pessoas comuns, através de recursos mercadológicos que nada têm a ver com o reino de Deus. O verdadeiro homem de Deus não se coloca acima de ninguém, o que não o impede de orientar o rebanho do Senhor com relação aos sinais que indicam a presença de Jesus Cristo no mundo.

Ao longo desse frutífero encontro, vários outros pastores líderes denominacionais também se manifestaram. Em dado momento críticaram a idéia de que o cristão deva aceitar o pensamento de que precisa ser um vitorioso segundo os ídolos do mercado, especialmente no que se refere à questão das finanças. “em muitas vezes o rico é a pessoa mais pobre, porque em geral só tem o dinheiro. Se ficar sem este, nada mais lhe restará”, afirma um deles. Na mesma linha, Ariovaldo Ramos declara que igreja de Jesus é constituída por aqueles que não dobram seus joelhos nem a Baal nem a Mamon.

O encerramento do encontro deu-se numa atmosfera de otimismo quanto ao futuro da igreja que não se deixou seduzir pelas ilusões do deus-mercado.
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Fonte: Comeja

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O colapso do Movimento Evangélico


Dois pastores paulistas se fantasiam de Fred e Barney. Isso mesmo, fantasiados de Flintstone, entre gracejos ridículos, acreditam que estão sendo "usados por Deus para salvar almas". Na rádio, um apóstolo ordena que tragam todos os defuntos daquele dia, pois ele sente que Deus o "ungiu para ressuscitar mortos".

Os jornais denunciam dois políticos de Minas Gerais, "eleitos por suas denominações para representar os interesses dos crentes", como suspeitos de assassinato. O rosário se alonga: oração para abençoar dinheiro de corrupção; prisão nos Estados Unidos por contrabando de dinheiro, flagrante de missionários por tráfico de armas; conivência de pastores cariocas com chefões da cocaína .

Fica claro para qualquer leigo: O movimento Evangélico brasileiro se esboroa. O processo de falência, agudo, causa vexame. Alguns já nem identificam os evangélicos como protestantes. As pilastras que alicerçaram o protestantismo vêm sendo sistematicamente abaladas pelo segmento conhecido como neopentecostal. Como um trator de esteiras, o neopentecostalismo cresce passa por cima da história, descarta tradições e liturgias e se reinventa dentro das lógicas do mercado. É um novo fenômeno religioso.

É possível, sim, separá-lo como uma nova tendência. Sobram razões para afirmar-se que o neopentecostalismo deixou de ser protestante ou até mesmo evangélico. É uma nova religião. Uma religião simplória na resposta aos problemas nacionais, supersticiosa na prática espiritual, obscurantista na concepção de mundo, imediatista nas promessas irreais e guetoizada em seu diálogo cultural.

Mas a influência do neopentecostalismo já transbordou para o senso comum prostestante. O neopentecostalismo fermentou as igrejas consideradas históricas. Elas também se vêem obrigadas a explicar quase dominicalmente se aderiram ou não aos conceito mágicos das preces. Recentemente, uma igreja batista tradicional promoveu uma "Maratona de Oração pela Salvação de Filhos Desviados". Se não fosse trágico, seria cômico.

Pentecostais clássicos, como a Assembléia de Deus, estão tão saturados pela teologia neopentecostal que pastores, inadvertidamente, repetem jargões e prometem que a vida de um verdadeiro crente fica protegida dentro de engrenagens de causa-e-efeito. Os "ungidos" afirmam que sabem fazer "fluir as bênçãos de Deus". É comum ouvir de pregadores pentecostais que vão ensinar a "oração que move o braço de Deus”.

O Movimento Evangélico implode. Sua implosão é visceral. Distanciou-se de dois alicerces cristãos básicos - graça e fé. Ao afastar-se destes dois alicerces fundamentais do cristianismo, permitiu que se abrisse essa fenda histórica com a tradição apostólica.

1. A teologia da Graça

Desde a Reforma, protestantes e católicos passaram a trabalhar a Graça como pedra de arranque de um novo cristianismo. O texto bíblico, “o justo viverá da fé”, acendeu o rastilho de pólvora que alterou a cosmovisão herdada da Idade Média. A Graça impulsionou o cristianismo para tempos mais leves. Foi a Graça que acabou com a lógica retributiva que mostrava Deus como um bedel a exigir penitência. Devido a Graça entendeu-se que a sua ira não precisa ser contida. O cristianismo medieval fora infectado por um paganismo pessimista e, por isso, sobravam espertalhões vendendo relíquias e objetos milagrosos que, segundo a pregação, “ garantiam salvação e abriam as janelas da bênção celestial”.

Lutero, um monge agostiniano, portanto católico, percebeu que o amor de Deus não podia ser provocado por rito, prece, pagamento ou penitência. Graça, para Lutero, significava a iniciativa de Deus, constante, unilateral e gratuita, de permanecer simpático com a humanidade. Lutero intuiu que Deus não permanecia de braços cruzados, cenho franzido, à espera de que homens e mulheres o motivassem a amar. O monge escancarou: as indulgências eram um embuste. Assim, Lutero solapava o poder da igreja que se autoproclamava gerente dos favores divinos.

Passados tantos séculos, o movimento neopentecostal, responsável pelas maiores fatias de crescimento entre evangélicos, abandonou a pregação da Graça. (É preciso ressaltar, de passagem, que o conceito da Graça pode até constar em compêndios teológicos, mas não significa quase nada no dia-a-dia dos sujeitos religiosos).

Os neopentecostais retrocederam ao catolicismo medieval. É pre-moderna a religiosidade que estimula valer-se de amuletos “como ponto de contato para a fé”; fazerem-se votos financeiros para “abrir as portras do céu”; “pagar o preço” para alcançar as promessas de Deus. Desse modo, a magia espiritual da Idade Média se disfarçou de piedade. A prática da maioria dos crentes hoje se concentra em aprender a controlar o mundo sobrenatural. Qual o objetivo? Alcançar prosperidade ou resolver problemas existenciais.

2. A compreensão da Fé

“A Piedade Pervertida” de Ricardo Quadros Gouvêa é um trabalho primoroso que explica a influência do fundamentalismo entre evangélicos.

“O louvorzão, assim como as vigílias e as reuniões de oração, e até mesmo o mais simples culto de domingo, muitas vezes não passam de um tipo de superstição que beira a feitiçaria, uma vez que ele é realizado com o intuito de ‘forçar’ uma ação benévola da parte de Deus, como se o culto e o louvor fossem um ‘sacrifício’, como os antigos sacrifícios pagãos. Neste caso, não temos mais liturgias, mas sim teurgias, nas quais procura-se manipular o poder de Deus” .

Ora, enquanto fé permanecer como uma “alavanca que move os céus”, as liturgias continuarão centradas na capacidade de tornar a oração mais eficaz. Antes dos neopentecostais, o Movimento Evangélico já se distanciara dos Místicos históricos que praticavam a oração com um exercício de contemplação e não como ferramenta de como tornar Deus mais útil.

Fé não é uma força que se projeta na direção do Eterno. Fé não desata os nós que impedem bênçãos. Fé é coragem de enfrentar a vida sem qualquer favor especial. Fé é confiança de que os valores de Cristo são suficientes no enfrentamento das contingências existenciais. Fé aposta no seguimento de Cristo; seguir a Cristo é um projeto de vida fascinante.

O neopentecostalismo ganhou visibilidade midiática, alastrou-se nas camadas populares e se tornou um movimento de massa. Por mais que os evangélicos conservadores não admitam, o neopentecostalismo passou a ser matriz de uma nova maneira de conceber as relações com o Divino.

A alternativa para o rolo compressor do neopentecostalismo só acontecerá quando houver coragem de romper com dogmatismos e com os anseios de resolver os problemas da vida pela magia.

O caminho parece longo, mas uma tênue luz já desponta no horizonte, e isso é animador.

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