Nos últimos tempos, nos deparamos com um fenômeno dentro de nossas igrejas. Alguns irmãos, membros de igrejas pentecostais (ou até mesmo neopentecostais), tem encontrado o caminho das “Doutrinas da Graça”, o que acaba por gerar uma “classe” que se intitula “Pentecostal Reformado”.
A pergunta é: como isso funciona?
Não cabe, neste texto, a discussão de mérito sobre se esta nomenclatura é correta ou não, mas sim “se um cristão reformado pode congregar em uma igreja pentecostal”. E, sobre isso, digo com conhecimento muito próximo de causa.
Pois bem, vamos aos fatos.
O movimento pentecostal no Brasil é algo que deve ser analisado com muita cautela. Surgiu, principalmente, num ambiente cristão de pessoas pobres, com uma vida simples, que não tinham condições de buscar um estudo aprofundado, seja este sobre as matérias escolares diárias, ou sobre a doce teologia. Algumas destas pessoas, ao se converterem e seguirem a caminhada cristã acabaram por serem ordenadas ao pastorado – não por sua teologia rebuscada, mas sim, ao menos em tese, por seu caráter ilibado, e “demonstração de poder” no meio da congregação. Sendo esta prática constante, criou-se a ideia de que a evidência de um cristianismo autêntico seria o “poder”, a “unção”. Eis aí o primeiro problema que todo “novo reformado”, que congrega em uma igreja pentecostal, enfrentará: estar no meio de uma congregação que buscará em primeiro lugar os dons do Espírito, e não o Fruto. Independente da “linha” seguida, seja “cessacionismo” ou “continuísmo”, é certo que Paulo deixa bem claro que o amor (Fruto, 1 Co 13) é maior, “um caminho mais excelente”, que o dom (1 Co 12).
Em segundo lugar existe a problemática com a forma de governo da Igreja. É muito mais fácil você encontrar o típico jargão “não toqueis no ungido do Senhor” dentro de uma denominação Pentecostal/”neopentecostal”, que em uma igreja Reformada. Por terem uma forma de governo episcopal, ao menos no que deixam transparecer, as igrejas pentecostais têm a figura do “pastor presidente”, que normalmente detém um poder imenso sobre as congregações da região. Em contra partida, analisando a forma de governo de igrejas que caminham na tradição da Reforma, encontramos com mais frequência os modelos Congregacional e Presbiteriano, que trazem, em seu cerne, um modelo “democrático” de governo.
Digo que isto vem a ser um problema pelo fato de que é comum, dentro da cultura de igrejas pentecostais, existir a figura daquele pastor que manda e não aceita ser contrariado. Quando, então, um “recém-reformado” apresenta sua teologia ao “dirigente da congregação”, é corrente a retaliação vinda do púlpito.
Em terceiro lugar, vem a problemática da “ordem e decência” durante os cultos de algumas igrejas pentecostais/neopentecostais. Não são poucos os vídeos que encontramos na internet abordando este tema. Movimentos, cânticos e ações que contrariam expressamente as Sagradas Escrituras. Não fosse pouco, vemos que o louvor, a honra e a glória não são direcionados ao Senhor. “Hinos” antropocêntricos são cantados, “pregações” com um falso evangelho, adulterado, prometendo bênçãos e riquezas são o que dominam os púlpitos. Porém, graças ao bom Deus, vale lembrar que mesmo no meio Pentecostal é possível sim encontrar igrejas sérias, que buscam uma maior coerência com a Palavra de Deus.
Em quarto lugar, e creio que este vem a ser um dos problemas mais marcantes, existe a divergência doutrinária. Enquanto o movimento pentecostal segue, em teoria, por exemplo, o arminianismo, a doutrina reformada mantém seus pés firmados no calvinismo. Afirmamos, ainda, que a salvação é uma obra monergista, onde Deus – e apenas Ele – é responsável pela salvação e regeneração das almas. Todavia, o que é pregado nos púlpitos pentecostais é exatamente o oposto, que a salvação é uma obra sinergista – onde o homem tem também papel ativo.
E aí vem a dúvida, então, que motivou este artigo: “pode um cristão reformado congregar em uma igreja pentecostal?” Mesmo com pontos que elenquei, apenas exemplificativos e que citam casos extremos, já que nem todas as igrejas pentecostais discorrem em erros gritantes, creio que a resposta à pergunta acima é “sim, pode”.
Devemos ter em mente que não há igreja, no sentido de instituição, perfeita. Dentro de cada “instituição” temos vários pecadores, com misérias, falhas e problemas, assim como cada um de nós. Sempre haverá espaço para a fofoca, para intrigas e discussões inúteis, infelizmente.
Também, devemos lembrar que as igrejas pentecostais têm muitas qualidades e acertos. Seus membros são nossos irmãos, que oram, consagram suas vidas ao Senhor, respiram “missões”, e vivem de modo que visa glorificar ao Senhor. Temos divergências? Sim, mas nossa semelhança, a “adoção de filhos”, deve ser maior em nossos corações que cada ponto contrário.
Então, deixo-lhe algumas dicas do que pode ser feito:
Primeiro, não tente “calvinizar” os demais irmãos, ou “reformar” a igreja. Peço perdão pelas palavras, mas é uma luta perdida. Converse, sim, sobre os princípios básicos da fé cristã, sobre a salvação pela Graça, sobre os “Cinco Solas”, mas não tente “enfiar goela abaixo” os “cinco pontos do calvinismo”.
Segundo, mantenha sempre a humildade. É comum que todo “novo reformado” sofra do maldito orgulho. “Minha teologia é mais antiga”, dizem alguns. “O que prego é mais bíblico”, dizem outros. Demonstre, acima de tudo, esta tão maravilhosa doutrina através de sua vida. Prove, com uma mudança diária, que sua fé é acompanhada por obras, e que estas são boas e louvam ao Senhor.
Terceiro, viva em amor. Parece, bem sei, que estou colocando “panos quentes” na situação, mas minha intenção é exatamente oposta a isto. Temos, em Gl 5.22-23, uma lista do que vem a ser o “Fruto do Espírito”, e lá encontramos o amor. Amar é falar a verdade, mas sabendo como fazê-lo. O amor, vale lembrar, é acompanhado pela mansidão. Se algum irmão vier lhe perguntar sobre o Calvinismo, a Teologia Reformada, e após a resposta, agir de maneira ríspida e contrária às Escrituras, respire e mantenha a calma. Lembre-se do que disse Pedro:
“Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós, […]” (1 Pe 3:15)
Quarto lugar, ore. Viva uma vida de oração. Não afaste-se dos pés do Senhor. Faça o que nos foi ordenado por Paulo, “ore sem cessar” (1 Ts 5.17). Todas nossas decisões devem ser tomadas após oração constante a Deus. Se sua situação está piorando, se o que é pregado nos púlpitos de sua igreja está cada vez mais distante da Reta Justiça, ore ao Senhor. Não saia da congregação sem antes “escutar a voz de Deus” dizendo-lhe o que fazer.
Espero ter apresentado uma boa resposta à pergunta inicial, se “é possível que um cristão reformado congregue em uma igreja pentecostal”. Amado leitor, lhe suplico que, acima de tudo, leve em consideração este último conselho que lhe dei: Ore. Siga a direção apontada pelo Senhor, e não pelo seu coração.